Como é feita a distribuição de vagas no ensino superior

Nas últimas décadas, houve uma tendência global de expansão das vagas do ensino superior. Esta pesquisa mapeou como as novas matrículas foram distribuídas entre as instituições públicas e privadas brasileiras entre os anos de 2010 e 2019.

O estudo procurou avaliar o impacto da presença crescente da iniciativa privada no setor, bem como qual a modalidade de ensino, presencial ou remoto, que mais cresceu no país durante esse período. Os pesquisadores também chamam atenção para a correlação entre o perfil socioeconômico dos alunos e suas escolhas educacionais.

1- Qual a pergunta a pesquisa responde?

Como estão distribuídas as vagas no ensino superior brasileiro?

2- Por que isso é relevante?

O número de vagas e instituições de ensino superior tenham expandido, mas os países que passaram por esse processo, como o Brasil, não foram capazes de lidar, de maneira efetiva, com as novas possíveis realidades, novos problemas e demandas dentro do próprio sistema educacional, que ficaram marcados pela desregulamentação do ensino superior e pelo crescimento desenfreado das instituições majoritariamente privadas. Este setor vem sendo alavancado por crescente participação de investimentos públicos indiretos, por intermédio de desonerações fiscais (Programa Universidade para Todos – ProUni) e concessão de financiamentos aos estudantes, com juros subsidiados, através deo Fies e ProUni.

No caso das instituições públicas, uma forma de tentar garantir que a expansão viesse acompanhada de um aumento da presença de estudantes menos privilegiados, que sempre tiveram dificuldade em acessar o ensino superior, foi a implementação de ações afirmativas. A primeira estava relacionada àa critérios raciais, com o objetivo de aumentar o acesso de pessoas pardas e negras ao ensino superior.

Embora nosso objetivo seja compreender onde estão alocadas as matrículas, mapear como as instituições educacionais de ensino sSuperior operam, como se dá a diversificação e qual a concentração de recursos importa porque o que notamos nas inúmeras pesquisas já existentes é que há uma nítida associação a ser explorada entre acesso, escolhas educacionais e condições socioeconômicas do estudante, reforçando como nossos dados são essenciais para uma perspectiva ampla e completa da desigualdade educacional brasileira.

3- Resumo da pesquisa

Diante da expansão global das vagas nos sistemas de ensino superior de vários países, observou-se um processo de crescente mercantilização nesse segmento da educação. Issto significa que houve uma maior participação da iniciativa privada na oferta de vagas, levando à intensificação do fenômeno de diversificação institucional.

As matrículas têm se distribuído de maneira mais concentrada em cursos de modalidade à distância, a maioria deles na rede privada. Além disso, cursos tradicionalmente presenciais foram reduzidos nessa modalidade e ampliados no ensino EAD.

4- Quais foram as conclusões?

A distribuição de matrículas ocorreu de maneira concentrada tanto em 2010 quanto em 2019, com ênfase neste último, onde houve o crescimento desproporcional da rede privada em relação à rede pública. Essa tendência, porém, se mostrou mais intensa quando observada em instituições e cursos que anteriormente já concentravam maiores volumes de matrículas. Isso significa que, ao longo do tempo, instituições grandes agregaram muito mais estudantes do que instituições pequenas.

Considerando os tipos de cursos nos quais este fenômeno ocorreu, criamos 12 combinações possíveis de cursos para analisar cada segmento e identificar aqueles nos quais as matrículas se apresentaram mais concentradas. Os cursos ofertados pela rede privada na modalidade EAD foram os mais procurados, já os presenciais de licenciatura perderam espaço em ambas as redes, semelhante ao que aconteceu com o grau tecnológico e presencial, que teve suas matrículas reduzidas apenas na rede privada. A variação da distribuição de matrículas nessas duas modalidades mostram como o ensino EAD tem se destacado, transformando até mesmo a demanda por cursos que historicamente eram feitos presencialmente, principalmente na rede pública.

Mesmo que a pandemia seja reconhecida como um dos principais fatores que impulsionam esse tipo de resultado, a pesquisa mostra que a diversificação e a concentração no EAD e na rede privada são anteriores à ela. Ou seja, é uma tendência global com grandes chances de se intensificar nos próximos anos.

Os cursos de bacharelado presencial da rede privada apresentam o maior volume de matrículas, mas os cursos de bacharelado presenciais das universidades públicas também apresentaram um leve crescimento entre 2010 e 2019. Em paralelo ao caso das ofertas de licenciatura em modalidade EAD, a combinação bacharelado-EAD cresceu significativamente na rede privada. O único segmento que, de fato, apresentou expressiva variação percentual positiva do número total de matrículas no setor público foi o dos bacharelados presenciais.

Nota-se que a oferta geral dos cursos são discrepantes quando comparamos o setor público ao setor privado, o que pode sugerir, mesmo que minimamente, o motivo de maior concentração de matrículas na rede privada. Contudo, não seria o suficiente para explicar o fenômeno de diversificação.

5- Quem deveria conhecer seus resultados?

A comunidade acadêmica, seja estudante ou pesquisador, interessada em estudos da sociologia das desigualdades e educação, diversificação e diferenciação do ensino superior, mercantilização da educação, formuladores de políticas públicas ligadas à temática educacional e o público mais amplo que busca compreender as tendências globais do sistema educacional, bem como a relação dessa estrutura às escolhas educacionais em geral.

Bruna A. Milanski é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Pedro Henrique Elgaly da Penha é bacharel em ciências sociais pela UFRJ, especializado em administração pública pela PUC-Minas e analista de implementação de políticas públicas na Secretaria de Estado de Educação do Pará.

Ruan de Oliveira Coelho é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Referências:

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Fonte da Notícia: NEXO JORNAL