A “nova regulação” das entidades beneficentes de assistência social

Por Janaina Rodrigues. Sócia-Advogada na Covac Sociedade de Advogados

O novo texto que se propõe a regular o acesso das entidades beneficentes de assistência social ao benefício da imunidade às contribuições sociais (PLP nº 134/2019¹) está na fase final do processo legislativo, tendo sido encaminhado à sanção ou veto presidencial.

O texto aprovado pelo Congresso Nacional está longe de acolher o anseio da sociedade civil que tenta emplacar discussões no sentido de retomar a essência do instituto denominado “imunidade tributária”. Parte da discussão é fomentada pela Comissão Nacional de Direito do Terceiro Setor da OAB ao destacar que por se tratar de imunidades tributárias, não haveria que se falar em contrapartidas atreladas à obtenção do CEBAS, já que seria uma tributação disfarçada. Com base nesse entendimento, o pleito é a equiparação dos requisitos para usufruir das imunidades às contribuições sociais aos que hoje são aplicados à imunidade de impostos, prevista no art. 150, VI, “c” da Constituição Federal.

A versão aprovada pelo Congresso Nacional condiciona, mais uma vez, o conceito de entidade beneficente de assistência social à concessão de contrapartidas. Portanto, praticamente o PLP nº 134/2019 é uma conversão da Lei nº 12.101/2019² em Lei Complementar. Em outras palavras, “a nova regulação” de novidade só tem a forma. Isso vai ao encontro do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal (STF)- ADI 2028, 4480, RE 566.622 e outros: a lei complementar é a forma exigível para a definição do modo beneficente de atuação das entidades de assistência social contempladas pelo art. 195, § 7º da CF, especialmente no que se refere à instituição de contrapartidas a serem observadas por elas.

O PLP nº 134/2019, na mesma trilha da atual Lei do CEBAS, conceitua como entidade beneficente a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que presta serviço nas áreas de assistência social, de saúde e de educação, desde que devidamente certificada pelos Ministérios da Educação, Saúde e Cidadania.

Para cada área de atuação o PLP apresenta um rol de exigências relacionadas ao funcionamento e contrapartidas a serem demonstradas pelas entidades que almejam a certificação.

Na Saúde o PLP repete a fórmula da Lei nº 12.101/2009 ao exigir da entidade o enquadramento em alguma das seguintes hipóteses: a prestação de serviços com no mínimo 60% dos atendimentos ofertados ao Sistema Único de Saúde (SUS); prestação de serviços gratuitos ao SUS; atuação na promoção à saúde; ser de reconhecida excelência e realizar projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS; ou, prestação de serviços não remunerados pelo SUS a trabalhadores.

Entre as inovações, destaca-se a exclusão das comunidades terapêuticas como sendo entidade de saúde. Além disso, passa a acatar declaração do gestor local do SUS como regular, pois a realidade demonstrou que é comum a efetiva prestação de serviço sem respaldo contratual, situação que era tratada pontualmente pelo Congresso, a exemplo da Lei nº 13.650/2018³, recentemente alterada pela Lei nº 14.123/2021⁴.

O Senado havia proposto uma emenda para que as entidades com serviços exclusivamente gratuitos fossem dispensadas, em alguns casos, da formalização da parceria, contudo a alteração foi rejeitada pela Câmara dos Deputados, permanecendo, portanto, a obrigatoriedade de pactuar com o gestor local do SUS.

Na área de educação a certificação segue atrelada à oferta de ensino formal, sendo as contrapartidas, basicamente, a concessão de bolsas de estudos. Via de regra, uma bolsa de estudo integral para cada cinco alunos pagantes. Há possibilidade de bolsas parciais e admissão da substituição de até 25% das bolsas por benefícios ao estudante. Já para as entidades do ensino superior sem Prouni a oferta de bolsa observará, como regra geral, a proporção de uma bolsa de estudo integral para cada quatro alunos.

Lembre-se que a bolsa de estudo integral será destinada a aluno cuja renda familiar bruta mensal per capita não exceda o valor de 1,5 salário mínimo. Já a bolsa de estudo parcial (50%) de gratuidade a aluno cuja renda familiar bruta mensal per capita não exceda o valor de três salários mínimos.

Objetivando a transparência da política “CEBAS Educação”, alvo de crítica pela Controladoria Geral da União (CGU)⁵, o PLP prevê a publicação dos resultados apresentados pelas instituições de ensino certificadas, a partir das informações extraídas dos sistemas de avaliação do MEC.

A proposta na educação avançou ao incorporar no texto legal entendimentos e alguns pleitos do segmento educacional com vistas a trazer segurança jurídica a todos que atuam com o CEBAS, dos quais vale destacar:

– Admitir a majoração em até 20% do teto estabelecido para a concessão da bolsa, ao se considerar aspectos de natureza social do beneficiário, de sua família ou de ambos, desde que fundamentado em relatório elaborado por assistente social;

– Aproveitamento de bolsas concedidas a funcionários, desde que possuam perfis socioeconômicos compatíveis com o definido para o bolsista CEBAS;

– Evidencia que na oferta da educação profissional será permitido ao estudante acumular bolsas de estudo na educação profissional técnica de nível médio e ser contabilizado em ambas para fins de CEBAS.

Um grande avanço está direcionado às entidades que ofertam educação básica gratuita em virtude de parceria com o poder público. Em muitos municípios a seleção ocorre pelo ente estatal, acarretando dificuldade de comprovação do perfil socioeconômico pelas entidades. O PLP prevê que os entes federativos deverão respeitar a Lei do CEBAS nas vagas ofertadas por meio de convênios ou congêneres, mas em caso de descumprimento pelo poder público as entidades não poderão ser penalizadas.

Por fim, na Assistência Social, a grande discussão no Congresso girou em torno das “Comunidades Terapêuticas”, se essas deveriam ou não constar como beneficiárias da imunidade. Alguns parlamentares eram contrários, sob o argumento da necessidade de fortalecer o equipamento público, contudo, a discussão findou-se por inserir tais entidades como passíveis de certificação. Outra modificação é a não obrigação da gratuidade aos serviços da assistência social, na linha do decidido pelo STF na ADI 4480.

Nessa área, o PLP possibilita a certificação às entidades que realizam: (i) serviços, programas ou projetos socioassistenciais de atendimento ou de assessoramento ou que atuem na defesa e na garantia dos direitos dos beneficiários; (ii) serviços, programas ou projetos socioassistenciais com o objetivo de habilitação e de reabilitação da pessoa com deficiência e de promoção da sua inclusão à vida comunitária, no enfrentamento dos limites existentes para as pessoas com deficiência, de forma articulada ou não com ações educacionais ou de saúde; (iii) programas de aprendizagem de adolescentes, de jovens ou de pessoas com deficiência, prestados com a finalidade de promover a sua integração ao mundo do trabalho; (iv) serviço de acolhimento institucional provisório de pessoas e de seus acompanhantes que estejam em trânsito e sem condições de autossustento durante o tratamento de doenças graves fora da localidade de residência; (v)as comunidades terapêuticas; e (vi) as entidades de cuidado, de prevenção, de apoio, de mútua ajuda, de atendimento psicossocial e de ressocialização de dependentes do álcool e de outras drogas e seus familiares.

Entre as inovações também vale destacar o reconhecimento do desenvolvimento de atividades que gerem recursos, inclusive por meio de filiais, com ou sem cessão de mão de obra, de modo a contribuir com as finalidades sociais, sem que isso seja caracterizado com desvio de finalidade, como, equivocadamente, eram punidas as entidades que possuíam ações criativas e acessórias direcionadas à sustentabilidade econômica.

Ainda merecem destaque alguns aspectos procedimentais contemplados no PLP com vistas à desburocratização e eficiência do Estado. Aqui aponto a dispensa da comprovação dos requisitos específicos exigidos para cada área não preponderante, quando o valor total dos custos e das despesas nas áreas não preponderantes, não supere 30% dos custos e das despesas totais da entidade, bem como não ultrapasse o valor anual a ser fixado. Essa previsão viabilizará, e até mesmo estimulará, ações pontuais da entidade em área diversa do core business, sem trazer risco à certificação.

Por último, atrelada à noção de eficiência é a previsão de extinção dos créditos decorrentes de contribuições sociais lançados contra entidades beneficentes, expressamente motivados por decisões derivadas de processos administrativos ou judiciais com base em dispositivos da legislação ordinária declarados inconstitucionais, em razão dos efeitos da inconstitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 2028 e 4480 e correlatas.

A expectativa é termos ainda em 2021 a “nova regulação do CEBAS”, fazendo votos que o executivo logre superar os obstáculos que tardam a análise e violam a razoável duração da tramitação dos requerimentos de certificação. Também não se pode ignorar que a sanção e publicação de Lei Complementar não findará a discussão sobre a constitucionalidade ou não das contrapartidas, que inclusive ainda está pendente de julgamento no STF (ADI 4891), sendo possível reviravoltas em um futuro que esperamos ser próximo.
1. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2203957

2. Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009 – Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social; altera a Lei no 8.742, de 7 de dezembro de 1993; revoga dispositivos das Leis nos 8.212, de 24 de julho de 1991, 9.429, de 26 de dezembro de 1996, 9.732, de 11 de dezembro de 1998, 10.684, de 30 de maio de 2003, e da Medida Provisória no 2.187-13, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.

3. Lei nº 13.650, de 11 de abril de 2018 – Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, na área de saúde, de que trata o art. 4º da Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009; e altera as Leis nº s 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.429, de 2 de junho de 1992.

4. Lei nº 14.123, de 10 de março de 2021 – Altera a Lei nº 13.650, de 11 de abril de 2018, e prorroga até 31 de dezembro de 2020 a suspensão da obrigatoriedade de manutenção das metas quantitativas e qualitativas contratualizadas pelos prestadores de serviço de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) estabelecida pelo art. 1º da Lei nº 13.992, de 22 de abril de 2020.

5. Relatório de Avaliação Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social – Exercício 2018, disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/media/auditorias/processos_seb/relatorio_de_auditoria_2018.pdf

FONTE: COVAC ADVOGADOS