A Comissão de Educação da Câmara aprovou o Projeto de Lei nº 5.414, de 2016 (apensados: PL 6.858/2017, PL 7.121/2017, e 8445/2017) que, em síntese, proíbe a utilização da Educação a Distância (EaD) na oferta de cursos da área de saúde.
Antes de adentrar na proposta do Projeto de Lei, importante registrar alguns aspectos na Constituição Federal. A Constituição Federal de 1988, no inciso XIII do art.5º XIII, estabelece que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Como também o acesso a saúde, previsto nos art. 196 e 197.
Retomando a questão educacional, no Brasil, o ensino superior à distância teve seu início com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), seguindo posteriormente diversas regulamentações. Em todos os Decretos e Portarias que regulamentaram a oferta do ensino a distância, nunca houve autorização do curso ser oferecido 100% em EaD, enquanto as avaliações e todas as disciplinas práticas serem ofertadas presencialmente.
Porém, os conselhos profissionais da saúde são contra os cursos da área da saúde sejam ofertados 100% à distância, como o Ministério da Educação e setor privado também são, razão pela qual não existem cursos de
saúde 100% a distância. Para entender um pouco sobre a interferência dos Conselhos Profissionais na Educação, o Parecer CNE/CES nº 209/2020 delineia muito bem a questão e merece a leitura, podendo ser acessado pelo site do CNE.
O Projeto de Lei, ao tentar propor políticas de governo sem ser de estado, corre o risco de errar no diagnóstico.
No passado, constatou-se que havia excesso de médicos no Brasil, para então descobrir que faltavam médicos e foi criado o programa Mais Médicos. Impedindo a criação de cursos na área de saúde em EaD, criará um fosso ainda maior de desigualdade no acesso à saúde. Em locais de difícil acesso, a formação de profissionais de saúde em EaD é importantíssima.
Ressalta-se que o Projeto de Lei que visa impedir o ensino a distância na área da saúde foi proposto muito antes da pandemia e, ainda bem, não foi aprovado. Se de fato fosse impedido o ensino remoto e a distância, os cursos de saúde seriam suspensos e vários profissionais da saúde não teriam colado grau e não estariam à frente do combate da Covid-19.
Sem dúvida seria um desastre total pela falta de formação de profissionais e acesso a saúde, principalmente das pessoas mais carentes. Num país continental como é o Brasil, os desiquilíbrios sociais são grandes e o acesso a realização de cursos superiores e à saúde nos locais mais carentes é fundamental.
A pandemia ainda causou vários reflexos na educação e, no caso do ensino superior, a atuação do Conselho Nacional de Educação e do Ministério da Educação instituindo o ensino remoto foi fundamental para que não se paralisasse as aulas, sobretudo nos cursos da área de saúde em que se possibilitou a oferta do denominado ensino híbrido.
Para os profissionais da saúde, que também foram muito exigidos, abriu-se um novo campo de atuação com a telemedicina, tele consulta, tele orientação, rompendo com um paradigma de que toda atividade na área de saúde só pode ser realizada de forma presencial.
Telemedicina
A história da telemedicina se confunde com o próprio surgimento da internet, nos anos de 1960. No Brasil, acabou sendo mais utilizada durante a pandemia e, com o leilão do 5G, não só telemedicina, como também a tele consulta e tele orientação serão uma realidade, inclusive para viabilizar o acesso à saúde, fundamental para localidades de carência de profissionais.
A telemedicina sempre foi alvo de discussões, debates na comunidade médica brasileira, contudo, o surgimento da pandemia do Coronavírus fez com que o Conselho Federal de Medicina e o Ministério das Saúde se rendessem a realidade e acelerassem a autorização da prática no país. Graças a telemedicina, tele consulta, tele orientação acabou sendo possível de enfrentar não só a Covid-19, mas diversas doenças.
Assim, a pandemia quebrou paradigmas em relação ao uso da tecnologia em diversas profissões. E vedar a oferta do EaD de cursos da área, mesmo com vedações existentes da oferta de disciplinas práticas a distância, não se
justifica e é um grande atraso. Um Projeto de Lei não pode restringir a atividade profissional, considerando os diversos meios de formação, incluindo o EaD, ferindo de morte o incido XIII do art. 5ª e 196 e 197 da Constituição Federal.
Acrescenta-se ainda o prejuízo do acesso a saúde garantido pela Constituição Federal. Como bem definido no art. 196 da Constituição Federal cabe ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. A proposta de Projeto de Lei é inconstitucional por ferir de morte previsto no inciso XIII do art. 5ª e artigos 196 e 197 da Constituição Federal.
*José Roberto Covac, sócio da Covac Sociedade de Advogados e da Expertise Educação, diretor jurídico do Semesp e conselheiro do Ela Instituto Educadoras do Brasil
FONTE: ESTADÃO
About The Author
Veja também
-
Vai à Câmara projeto que incentiva idosos no ensino superior
-
Ensino superior a distância dispara no Brasil, mas há desafios para garantir a qualidade
-
Pesquisa da CNI aponta deficit de 75 mil engenheiros no mercado brasileiro
-
Agora, lifelong learning para médicos
-
CAPES define valor de custeio para pós-doutorado