Mais um ano chega ao fim e a rotina na maioria das instituições de ensino se repete, com as provas finais, entregas das notas e um estresse muito alto, principalmente entre docentes.
Já se pensa em como será o próximo ano, o calendário acadêmico, os eventos, a formação de professores, a efetividade da curricularização da extensão, entre tantas outras importantes ações.
Todos os estudantes foram bem atendidos, os docentes também ouvidos, houve reuniões proveitosas e enriquecedoras, a aprendizagem foi acessível a todos, inclusiva, diversificada, e enfrentou-se o desafio entre o alinhamento das novas formas de ensinar e aprender com uma visão cosmopolita de liberdade e igualdade. Não se trata de ironia aqui, mas da crença de que minimamente se cumpriram as missões das IES, sejam elas quais forem, conforme descrevem em seus planos institucionais.
No entanto, quando de fato chega o momento do re-pensar, do re-avaliar e do re-construir? Da reflexão que gera avaliação, autoavaliação e meta-avaliação de pelo menos parte dos processos realizados?
A partir da experiência ao longo dos meus anos de docência, observo que a gestão normalmente busca o novo, o diferente, mas acaba caindo na repetição dos mesmos processos e ações sem que resultados sejam realmente analisados e adequados aos recursos que utilizaram. Como os coordenadores, por exemplo, podem meta-avaliar as avaliações de desempenho de seus cursos no semestre, no ano? As avaliações visam responder se os objetivos foram alcançados e com que qualidade, mas a condução dessas avaliações pode ser posta em xeque por meio da meta-avaliação, que nada mais é do que a avaliação da própria avaliação.
Stufflebeam (2001) afirma que “meta-avaliação é o processo de delinear, obter e aplicar informação descritiva e de julgamento – sobre a utilidade, a viabilidade, adequação e precisão de uma avaliação e sua natureza sistemática, competente conduta, integridade/honestidade, respeitabilidade e responsabilidade social – para orientar a avaliação e divulgar publicamente seus pontos fortes e fracos”.
Isso provoca-nos a validar nossas avaliações sobre os resultados dos cursos e a questionar sua validade. Assim sendo, como gestores, colaboradores, coordenadores, docentes estão revendo como chegaram às informações, dados e resultados alcançados por meio das ações que realizaram e desenvolveram com a segurança e a confiabilidade que creem ter usado? Com certeza, não vou falar sobre todas as atividades de um coordenador de curso, mas refiro-me a elementos que se destacam nas prioridades da IES que coloca o estudante no centro dos processos de aprendizagem.
Abaixo, elenco alguns pontos dentre os inúmeros que existem, para ajudar nessa reflexão meta-avaliativa sobre:
Metodologias ativas:
a. as mais usadas
b. as que trouxeram impacto para o curso e que impacto foi esse
c. as que melhoraram os resultados de aprendizagem dos estudantes (em comparação a quê?)
d. as que mais engajaram os estudantes (como se soube?)
e. que professores se destacaram no uso das metodologias e como (fonte)
f. que evidências de desenvolvimento de competências elas geraram e com que qualidade (aplicação comprovada)
g. as metodologias ativas ainda não são um ponto forte no curso (como se chegou a essa conclusão?)
Projetos integradores/interdisciplinares:
a. número de projetos apresentados
b. número de projetos concluídos com sucesso
c. número de projetos que não foram concluídos e por quê
d. proposta de valor gerada pelos projetos (como foi medida?)
e. impacto dos projetos onde foram executados (que tipo de impacto?)
f. impacto dos projetos nas pessoas que tiveram suas necessidades atendidas (como se obtiveram essas informações?)
g. impacto dos projetos na aprendizagem dos estudantes (por meio de que processos avaliativos?)
h. que evidências de desenvolvimento de competências os projetos geraram (como se definiram as competências?)
i. os projetos ainda não são um ponto forte no curso (como se chegou a essa conclusão?)
Avaliações:
a. quantas avaliações diagnósticas foram aplicadas e como foi feita a verificação dos resultados (o que foi modificado a partir dos resultados e como?)
b. resultado da transição de avaliações somativas para formativas (houve transição de modelo acadêmico?)
c. resultados do desempenho dos estudantes no ensino por competências (os indicadores atenderam às expectativas)
e. tipos de evidências geradas por meio das avaliações (como foram validadas?)
f. engajamento e participação dos estudantes nos processos avaliativos
g. reação e sentimento dos estudantes nos processos avaliativos
Feedback:
a. postura do coordenador junto aos seus cooperadores diretos e ao corpo docente sobre os resultados do curso e suas conclusões (comportamento, tom de voz, tipo de discurso, apresentação dos resultados, tanto no coletivo quanto no individual)
b. comprovar a validade das conclusões
c. esclarecer critérios
d. definir recomendações relevantes e válidas
O papel do docente nas atividades meta-avaliativas normalmente é orientado pelo plano de desenvolvimento da instituição, uma vez que se trata de um quesito exigido nos indicadores de avaliação institucional definidos pelo Ministério da Educação. E na rotina da instituição, como o docente tem cumprido esse papel? E como o docente associa a autoavaliação à meta-avaliação? Vou retomar aqui os mesmos elementos apontados para o coordenador de curso, mas será possível perceber como recai sobre o docente uma maior dose de comprometimento e responsabilidade sobre a aprendizagem dos estudantes.
Metodologias ativas:
a. das metodologias ativas usadas, há (não há) um gap entre os resultados esperados e os resultados alcançados (os objetivos de aprendizagem e seus indicadores são revisados com que frequência?)
b. o domínio sobre os recursos tecnológicos e digitais é compatível com a habilidade necessária para seu uso (se não é, como é auxiliado?)
c. as metodologias ativas usadas vão ao encontro das competências a serem desenvolvidas e dos objetivos de aprendizagem (rubricas e processos avaliativos em consonância e com coerência)
d. as metodologias usadas geram engajamento e atenção nos estudantes (em que nível? Como os identifica e mensura?)
e. todas as metodologias usadas são inclusivas
f. não usam metodologias ativas (motivos que o impedem ou o desmotivam a usá-las)
Projetos integradores/interdisciplinares:
a. domínio da metodologia de projetos (projetos concluídos com sucesso ou não concluídos)
b. domínio de recursos tecnológicos e digitais que envolvem os projetos ou abrigam os projetos (há necessidade de capacitação ou atualização para esses recursos?)
c. nível de engajamento dos docentes intra ou intercursos (se é interdisciplinar, como ocorre o entrosamento dos docentes, o planejamento e o cronograma de trabalho?)
d. gestão de trabalho em equipe (entre os docentes, de docentes para discentes, entre discentes)
e. valores gerados por meio dos projetos
f. impactos do projeto (nas competências discentes, nos envolvidos, no ambiente)
g. todos os projetos são inclusivos
Avaliações:
a. domínio sobre os diferentes tipos de avaliação (diagnóstica, formativa, somativa)
b. aplicação dos diferentes tipos de avaliação
c. diversificação dos processos avaliativos
d. o nível dos processos avaliativos é compatível com o nível do estudante/turma e há nítidos recursos para recuperação e evolução dos estudantes/turmas
e. há revisão nas avaliações aplicadas quanto à clareza de critérios, objetivos, clareza de enunciados e validação das respostas, se se trata de avaliação escrita
f. há revisão nos métodos de acompanhamento, orientação e ação nas avaliações práticas
g. há atenção sobre as reações e sentimentos dos estudantes nos processos avaliativos, seja qual for sua natureza (teoria, prática)
h. há consonância e coerência entre as metodologias usadas e as avaliações que aplica
i. tanto o conteúdo quanto as avaliações são atualizados para atender às necessidades da realidade
j. todos os recursos avaliativos são inclusivos
Feedback:
a. postura de liderança do docente para com o estudante, ou com a turma, sobre como se desenvolvem as atividades de aula (professor mediador/orientador)
b. uso de uma linguagem afetiva, assertiva e eficiente nos momentos de mediação/orientação (comunicação não violenta)
c. acompanhamento da evolução do estudante/turma mediante feedbacks anteriores
d. conquista da confiança para implementar mudanças que afetem a prática discente e elevar a escala da inovação, da criação e da transformação nos processos de ensino e aprendizagem nos mais variados tipos de ambientes de aprendizagem.
O que listei acima são alguns dos muitos elementos a serem questionados na IES ao longo e ao final dos períodos letivos e só citei os relacionados a coordenadores e professores. Há muito o que dizer sobre a liderança da instituição e as lições aprendidas sobre ela, sobre os processos de ensino e sobre os principais motivos de transformar a forma como os docentes se veem na complexidade de sua profissão.
Esses re-pensar, re-avaliar e re-construir que os profissionais da educação fazem e como os fazem são o grande diferencial que afeta diretamente a vida dos estudantes e que precisa ser transformador.
A sugestão é a de que os gestores abram espaço nos seus planejamentos estratégicos para esses momentos em que se possam validar os processos que vêm mantendo, ou experimentando. Nas IES, um grupo estrategicamente posicionado poderia sobrepor-se às ferramentas e ações costumeiras da instituição? Poderia superar uma certa alienação sobre o que acredita ser inovador ou moderno, mas não muda o cenário real da instituição frente à sociedade e frente ao mercado de trabalho?
O ano finda, mas as ideias, as atitudes e as iniciativas, jamais.
Ana Valéria Reis é consultora educacional em inovação, aprendizagem ativa, metodologias ativas e avaliação no ensino superior. Professora de Língua Portuguesa e Língua Espanhola.
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR