Governança do sistema de ensino superior

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O Brasil tem mais de 8.5 milhões de estudantes e apenas 18% de jovens com 18 a 24 anos estão matriculados no ensino superior. 75% das matriculas estão no setor privado, porém, há um setor público relevante e imprescindível. Somos um país complexo e com tensões que precisam ser resolvidas. Há polêmicas sobre como deve ser organizada a governança do sistema.

Talvez não tenhamos uma única alternativa de organização. Todavia há uma percepção que pode ser um consenso: o sistema não pode ser centralizado (no ministro e suas secretarias), hierarquizado (com vários poderes paralelos e difusos) e burocrático (cartorial, lento, focado na punição e não no aprendizado institucional).

Recentemente, me tornei um leitor de Gilberto Capano, um italiano estudioso do tema de políticas públicas no ensino superior, da Universidade de Bolonha. Capano é um cientista político e se dedica a compreender o significado, as tipologias, as características e os impactos das políticas públicas na governança dos sistemas.

Burton Clark, outra referência em estudos sobre governança de sistemas, elaborou o que conhecemos como “o triângulo de Clark”. Ele apontou que o sistema pode ter um predomínio do poder estatal, corporativo (docentes e sindicatos) ou de mercado.

Há uma convergência entre Clark e Capano, pois ambos desconfiam de um sistema que tenha como alicerce o mercado educacional, em função dos interesses do capital, dos perigos da comoditização e da possibilidade da diminuição de investimentos, no que é essencial para a educação.

O ato de governar

A governança do sistema de ensino superior supõe direcionamento e tomada de decisão por parte do agente público, a partir do diálogo com setores representativos da área educacional e do atendimento das demandas da sociedade. Governar um sistema é um ato político e republicano, de diálogo e tentativas de construção de consensos, em que o interesse público se sobrepõe aos interesses fragmentados.

A tipologia de governança de Capano supõe quatro modelos: a) hierárquico; b) processual; c) autogovernança; d) direcionamento a distância. Capano tem observado que não existem modelos puros e que há uma tendência à hibridização.

No Brasil, poderíamos caminhar para um modelo híbrido de governança do sistema de ensino superior, em que o MEC desburocratiza, descentraliza e cria mais conexões entre as instâncias de decisão, mas mantêm o papel de supervisão e acompanhamento do sistema. Caberia ao MEC estabelecer diretrizes construídas pelo diálogo, não caminhos únicos e longos.

Do ponto de vista da IES, a autonomia não poderia ser um “cheque em branco”. Da mesma forma, os projetos institucionais relevantes precisariam representar mais diversidade, mais valorização da identidade institucional, mais inovação, mais transformação focada na pesquisa relevante (para universidade e para as IES que desejarem) e mais aprendizado dos alunos.

“Há carência de políticas públicas para o Brasil”

O modelo híbrido de governança não significa hierarquização, tampouco, o estabelecimento de uma série de procedimentos burocráticos. Também não representa um distanciamento do Estado ou permissão de autogovernança para as IES.

A hibridização requer capacidade de governo, portanto, de políticas públicas que geram inclusão, equidade, justiça, qualidade, expansão, financiamento, melhoria da gestão institucional, inovação, empreendedorismo, relacionamento com o setor produtivo, valor e relevância para a educação e retorno do investimento na graduação através de um diploma que garanta a empregabilidade.

Há carência de políticas públicas para o Brasil. Espero que em 2023 possamos ter um sistema de ensino superior pujante, que atenda aos interesses da sociedade e que reconheça o valor e a contribuição do setor privado e, ao mesmo tempo, valorize o setor público, independente de quem estiver no poder. O Brasil precisa de universidades públicas relevantes, bem governadas, inclusivas e de pesquisa, assim como precisa das IES privadas.

As respostas para nossas dúvidas precisam ser buscadas na leitura, na pesquisa e na ciência. Para organizar a governança do sistema de ensino superior do Brasil, sugiro mais debate, mais profissionalismo na governança, mais conhecimento sobre as propostas de estudiosos como Gilberto Capano, Burton Clark, Simon Schwartzman, Joaquin Brunner e outros, mais evidência e conhecimento das boas práticas no mundo acadêmico e menos politização e ideologização na educação.

Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR