O quanto estamos preparados para os desafios educacionais do ensino superior presentes e futuros? Como estamos contribuindo para fomentar uma aprendizagem ativa e significativa capaz de atender as demandas da contemporaneidade? O que estamos praticando na sala de aula, seja ela presencial ou digital, que potencializa a percepção de valor da experiência de aprendizagem? Como o planejamento acadêmico tem refletido o compromisso com o sucesso pessoal e profissional dos estudantes em uma sociedade conectada e competitiva?
Com a proximidade do início de um novo ano letivo, fica cada vez mais perceptível a necessidade de formarmos profissionais criativos, curiosos e autônomos, capazes de conceber e implementar ideias em uma sociedade conectada. Assim, como professores e gestores, o primeiro passo é acompanhar as tendências educacionais atuais e as projetadas para os próximos anos.
Quem fizer uma varredura pelo tema “tendências educacionais” irá encontrar muitas alternativas relevantes e intimamente relacionadas com a evolução da democratização do acesso às inovações tecnológicas, já cada vez mais presentes no cotidiano educacional, afinal, comprar, trabalhar, informar-se e estudar, entre outros aspectos, já conquistaram um novo sentido na sociedade tecnocêntrica e obviamente estão reconfigurando a vida e a forma como as pessoas se relacionam e, naturalmente, afetam os modos de aprendizado em contextos formais.
O papel do ensino superior, consequentemente, será de preparar os discentes para atuarem nesse ambiente, criando, inclusive, novo sentido para o fazer humano. E sabendo que a aprendizagem perpassa pelo estabelecimento de vínculos e pela capacidade de conectar e relacionar os conhecimentos com os saberes cotidianos e sua aplicabilidade, como podemos criar experiências de aprendizagem mais mobilizadoras e cativantes em uma sociedade amplamente conectada?
Para auxiliar os professores e gestores, selecionei as tendências pedagógicas mais proeminentes para a educação superior, nas instituições, em 2023.
1. Portfólio de habilidades
Você já listou as competências e habilidades que cada curso de graduação é capaz de desenvolver nos estudantes?
Comunicar infraestrutura, portfólio e preço (quando particular) obviamente será importante, no entanto, já não são elementos suficientes para demonstrar diferenciais competitivos que atendam às necessidades dos estudantes de hoje, por isso é fundamental comunicar portfólios de habilidades.
Em um momento em que o diploma é apenas o primeiro passo para construção de carreiras promissoras, observamos que tanto os profissionais quanto os empregadores estão se concentrando em apropriar-se de um conjunto de habilidades específicas para atender à crescente demanda de mercado.
Estamos observando a redução do número de matrículas nos últimos anos, e embora conquistar e manter o prestígio institucional em tempos tão incertos seja algo espetacular, as instituições de ensino superior precisam ser capazes de demonstrar o potencial retorno do investimento para os estudantes e isso implica na instituição ser mais objetiva em sua proposta de valor.
Valor em vez de prestígio é uma forte tendência educacional que exigirá das faculdades e universidades a revisão de seus programas existentes e a garantia de que os estudantes desenvolvam as habilidades profissionais e pessoais por meio de metodologias, práticas inovadoras e significativas que os auxiliarão a serem resolutivos para terem sucesso em suas carreiras futuras.
2. Aprendizado com propósito
“Professor, para que preciso aprender isso? Como profissionais responsáveis, precisamos auxiliar os estudantes a perceberem como exercer uma profissão dá a oportunidade de gerar mais valor para o mundo, e isso implica em ajudá-los a perceber como podem ‘fazer a diferença’, serem mais resolutivos e serem capazes de propor soluções para os problemas globais por meio de suas escolhas profissionais.
O aprendizado com propósito, isto é, compreender o motivo, significado e aplicabilidade dos conhecimentos em suas atividades pedagógicas vivenciadas geram maior conexão e aprendizado nos estudantes, e se muito se falou de propósito em 2022, esta tendência deve continuar sob os holofotes do ensino superior no próximo ano.
Garantir que o propósito seja ensinado significa fornecer não apenas as definições, mas também exemplos e aplicações. Eu acredito muito na prática ativa e isso também significa criar situações ou reflexões nas quais os estudantes possam mostrar a aplicabilidade por meio de perguntas direcionadas pelos docentes que exigem pensamento e raciocínio.
Trabalhar com propósito aumenta a compreensão dos estudantes sobre um conceito, mas também os ajudam a construir o pensamento sobre como o aplicariam em suas próprias vidas, tornando o aprendizado mais tangível.
3. Ambientes promotores de pertencimento
Somos seres movidos por conexões e o modo como nos sentimos pertencentes (ou não) a um grupo ou comunidade influencia diretamente nossos resultados.
Com as taxas de problemas de saúde mental, desconexão, isolamento social e solidão entre os jovens aumentando, promover um sentimento de pertencimento na educação superior pode ajudar a fornecer uma solução relevante para um problema social complexo, tornando-se um diferencial para auxiliar os estudantes a atingirem o sucesso acadêmico.
Pertencer é uma necessidade humana fundamental e trabalhar relações de pertencimento é uma forte tendência educacional para os próximos anos visto que quando os estudantes se sentem pertencentes acionam níveis mais altos de bem-estar emocional e físico, consequentemente, melhoram seus desempenhos no mundo acadêmico. O sentimento de pertencimento não é exclusivo de “estudantes para estudantes”, mas também nas relações entre estudantes e professores.
São relacionamentos mais fortes que aumentam o sentimento de pertencimento e embora isso possa parecer óbvio, barreiras significativas na sociedade e nos sistemas educacionais muitas vezes complicam o processo de construção de confiança e relacionamento entre professores e alunos. Inclusive, como ponto de atenção, vale mencionar uma recente pesquisa das autoras Kelly-Ann Allen e Peggy Kern. Ela evidenciou que um a cada quatro alunos em todo o mundo não se sente pertencente à instituição de ensino e os números estão aumentando constantemente.
Os estudantes com sentimento de não-pertencentes são mais propensos a sentir ansiedade e depressão e, em situações mais graves, tanto o cérebro quanto o corpo são afetados pelos mecanismos biológicos do estresse. Esse estresse torna-se tóxico – ocorre o aumento de cortisol e adrenalina –, desencadeia a hiper vigilância, aumenta a ansiedade, reduz a memória de trabalho e o foco. Se estudantes com sentimento de não-pertença não tiverem outros relacionamentos e contextos de apoio, como consequência, apresentarão maior probabilidade de faltar, de comportar-se de maneiras que não são congruentes com os resultados acadêmicos bem-sucedidos, de evadir em momentos mais sensíveis, até de desvalorizar o trabalho institucional.
Comunidades de aprendizagem, grupos de estudos e pesquisa, aplicação de dinâmicas para integração dos estudantes, desenvolvimento de habilidades emocionais, atividades extensionistas, assembleias de discussão para enfrentamento dos problemas cotidianos, mentorias individuais e em grupos, projetos de vida, são alguns exemplos de ações que quando coordenadas e sistematizadas, criam um ambiente promotor de pertencimento altamente impactante na vida pessoal e profissional dos estudantes.
4. Desenvolvimento da mentalidade criativa e resolutiva
A mentalidade criativa é uma das capacidades humanas de maior valor visto que se relaciona às chances de conceber boas ideias e encontrar soluções diferenciadas para circunstâncias que aparentemente não têm solução. Em qualquer ambiente profissional, ocorrem conflitos de ideias e opiniões, no entanto, quando há pessoas que usam a criatividade, os desafios são resolvidos a partir de ideias mais abertas.
As instituições e empresas estão ávidas por mentalidades criativas que fortaleçam a sua formação técnica com habilidades pessoais para apresentar melhorias e estratégias inovadoras, independentemente da sua área de atuação. Uma mente criativa é capaz de criar e melhorar os produtos, serviços e modelagens que impactam positivamente na experiência do usuário.
Instituições de educação superior que promovem a mentalidade criativa com foco na resolutividade possibilitam a transcendência do pensamento óbvio por meio do acionamento do repertório para criar ideias.
5. Modelagens pedagógicas híbridas
As modelagens híbridas já deixaram de ser uma tendência e passaram a ser uma proposta metodológica que atende as necessidades do mundo atual e certamente continuará a ser uma das abordagens mais praticadas em 2023.
Ter uma modelagem híbrida vai muito além do aparelhamento tecnológico. Trata-se, sobretudo, de uma mudança genuinamente paradigmática refletida na cultura e no mindset, e requer uma sala de aula digital.
Independentemente da forma como é usada, podemos afirmar que as modelagens híbridas se referem a uma experiência de aprendizagem intencional que integra as atividades realizadas presencialmente com atividades realizadas de forma online, possibilitando a apropriação do conhecimento com algum controle do tempo e ritmo com foco na personalização do aprendizado do estudante. A oferta de uma modelagem híbrida requer estabelecer alguns critérios essenciais, como:
- Mapear o tempo e definir quanto será destinado para carga horária presencial e on-line.
- Estabelecer a natureza dos momentos. É preciso definir se serão síncronos ou/e assíncronos, se as atividades serão práticas, teóricas, etc.
- Com a clareza da natureza e da organização dos tempos, criar objetos de aprendizagem que comporão os momentos que fazem sentido para a sua disciplina. Para citar alguns, pode-se utilizar vídeos, textos, pílulas, desafios, meetups, simulações, práticas laboratoriais etc.
- Organizar todas as experiências em forma de trilha de aprendizagem e disponibilizar em um único local para facilitar o acesso dos estudantes.
- Para o planejamento das atividades, cabe ao docente proporcionar situações de aprendizagens capazes de evidenciar o que o estudante aprendeu, tornando o processo de aprendizagem visível.
Na prática, isso significa dispor de um ensino imerso em diferentes tecnologias, em que são utilizados aplicativos, sites educacionais e outros recursos para potencializar o aprendizado dos estudantes de forma flexível, híbrida, por meio de um processo de colaboração que transcende a necessidade do espaço físico articulado com demais setores de uma instituição.
A educação é uma área que precisa de inovação constantemente. Quando saímos do óbvio, construímos ativamente nosso repertório, preparamos o nosso olhar, ampliamos a criatividade, e desenvolvemos o próprio pensamento crítico.
Se você é professor ou gestor da educação, minha recomendação é “Desobvialize”” Isso mesmo! Saia do óbvio! Eu acredito muito no poder do repertório para as pessoas se diferenciarem no trabalho e na vida, e defendo a ideia do “não – óbvio” como incentivo para sermos mais plurais, exercitarmos olhares diferentes e até naturalizarmos o desconforto.
Sem desconforto não há evolução e a educação é uma área que requer coragem pois evoluirá muito nos próximos anos.
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
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