Os acordos em negociação nos bastidores do Congresso sobre a reforma tributária consideram a possibilidade de um tratamento diferenciado para os segmentos de saúde e educação, o que é considerado um avanço para os representantes dos dois setores em relação à unificação dos tributos sobre consumo. Eles veem como avanço a discussão sobre a necessidade de uma alíquota diferenciada, mas ainda estão preocupados com o nível da taxa a ser definida – e também com o pleito de desoneração de folha de pagamento.
Atualmente, existem dois projetos principais tramitando no Legislativo sobre reforma tributária. A PEC 45, sob relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e a PEC 110, que tem como relator o senador Roberto Rocha (PSDB-MA). O ponto em comum desses dois projetos é a criação de um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com a unificação dos tributos federais IPI, PIS e Cofins ao ICMS, cobrado pelos Estados, e ao ISS, dos municípios. Mais recentemente, representantes do governo federal têm sinalizado com o envio de uma proposta que propõe unificação, mas restrita ao PIS e a Cofins.
O projeto do governo ainda não foi apresentado oficialmente. De qualquer forma, nas três propostas, o imposto unificado deve seguir o modelo do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), não cumulativo, cobrado no destino e, na proposta original da PEC 45, com alíquota única.
Segundo Vanessa Canado, assessora especial do Ministério da Economia, o projeto de lei do governo para unificar PIS e Cofins está pronto e sob análise dos demais órgãos do Ministério da Economia. Questionada sobre tratamento diferenciado na saúde e educação, ela disse que as “exceções” estão entre os pontos a serem definidos.
Em entrevista publicada no Valor no dia 20 de novembro, o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), falou sobre a possibilidade de que segmentos como saúde e educação tenham tratamento específico no sistema estabelecido pela PEC 45. O CCiF elaborou a proposta que deu origem à PEC. Appy ressaltou, porém, que essa e outras discussões estão a cargo do relator.
Amabile Pacios, membro do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular (Fórum), que também representa as escolas de educação básica no debate sobre reforma tributária, acredita que haverá convergência dos três textos: o da Câmara, o do Senado e o do governo federal. A alíquota para educação ainda não está definida, mas, segundo ela, houve um grande avanço em relação há dois meses. Uma alternativa seria colégios e faculdades privadas pagarem 30% da alíquota de referência da PEC 45, que é de 25%.
Entre os argumentos citados pelo setor de educação para defender um tratamento diferenciado ao setor é que, com a alíquota única, fica inviável investir no setor. O governo, diz Amabile, teria que arcar com a migração de 15 milhões de alunos da rede privada às instituições públicas. Ela ressalta, porém, que o setor ainda defende a desoneração de folha.
Breno Monteiro, presidente da CNSaúde, diz que o governo já reconhece a necessidade de alíquotas diferenciadas para três setores: saúde, educação e transporte. A dúvida ainda é como será apresentada. O governo, segundo ele, está se baseando em modelos internacionais que dão alíquotas distintas para esses três setores. No Senado, conta, deve haver lei complementar, mas percentuais ainda não estão definidos. Na Câmara, acredita, serão incluídas emendas para alíquotas diferenciadas. “Já há pelo menos nove emendas, sendo que três delas redigidas pela CNSaúde.”
De qualquer forma, a percepção é positiva. “Os projetos para inclusão de alíquotas diferenciadas estão tramitando bem. Antes o governo estava reticente, mas agora está reconhecendo a necessidade disso”, diz ele.
O que os setores de saúde e educação temem é que a reforma traga grande elevação de carga para os dois setores. Dentre os cinco tributos que a PEC 45 propõe unificar, por exemplo, os segmentos de saúde e educação pagam atualmente três: PIS, Cofins e ISS. Segundo cálculos do tributarista Hamilton Dias de Souza as empresas das áreas de saúde e educação pagam 8,03% com esses três tributos. Com o texto atual da PEC 45, explica ele, as empresas seriam submetidas a uma alíquota de 25%. O aumento de carga, segundo o tributarista, seria de 211%, porque os dois segmentos não têm grandes volumes de créditos a serem abatidos.
O cálculo de Souza considera a tributação de empresas pelo lucro presumido com uma alíquota média de 4,38% de ISS, 3% de PIS e 0,65% de Cofins. O lucro presumido é na verdade um regime para recolhimento de Imposto de Renda, mas define a forma de pagamento do PIS e da Cofins. Podem optar pelo presumido empresas com faturamento de até R$ 78 milhões anuais.
Para empresas que pagam pelo lucro real, o PIS e Cofins devido soma alíquota 9,25%, calculados sobre faturamento de forma não cumulativa. Ou seja, com direito a crédito. Soma-se a esses dois tributos o ISS, que chega ao máximo de 5% e varia conforme o município.
O Fórum também fez os cálculos e diz que, na educação, a tributação aumentará para uma carga de cerca de 22%, se não houver mudança na proposta original. Hoje, o setor paga entre 5% e 8%. “A folha de pagamento representa entre 52% e 54% da receita nas instituições que estão bem financeiramente. Já entre aquelas com dificuldades, a folha chega a representar de 60% a 65%”, diz Amabile. “O setor de educação não tem crédito compensatório relevante. Podemos compensar energia, serviços terceirizados, mas isso não dá 1%.”
A Abramed, associação das empresas de medicina diagnóstica, chegou a fazer estudo analisando o impacto da reforma tributária nas quatro companhias de medicina diagnóstica de capital aberto – Fleury, Dasa, Hermes Pardini e Alliar. Segundo esse levantamento, as quatro companhias passariam a ter prejuízo com a nova tributação, caso não houvesse tratamento diferenciado para a saúde. Ainda de acordo com a Abramed, sem alguma flexibilização nas propostas, haverá aumento de cerca de 60% na tributação já considerando o crédito gerado com o IVA. Hoje, esse setor arrecada em média 12% em tributos indiretos.
A CNSaúde argumenta que, no setor de saúde – incluindo hospitais, clínicas, laboratórios de medicina diagnóstica e operadoras de planos de saúde -, o imposto aumentará dos atuais 7,5% para 15%, caso a reforma tributária não tenha tratamento diferenciado para a saúde. A Anahp, associação dos maiores hospitais privados do país, alega que 40% do orçamento é gasto com folha de pagamento.
Fabiana Lopes Pinto Santello, diretora do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), diz que o grande problema nos serviços é exatamente a característica de atividade intensiva em mão de obra, custo que não daria direito a crédito. Além disso, diz ela, há também uma preocupação muito grande em relação ao alcance da não cumulatividade.
A advogada também acredita que houve evolução do assunto nos últimos dois meses. Segundo ela, existe atualmente uma percepção de que tanto o governo federal como a Câmara e o Senado estão mais sensíveis ao impacto que uma reforma reunindo tributos sobre consumo pode ter na saúde e educação, como também em outros setores de serviços.
Essa receptividade, diz ela, é importante. “Isso pode evitar a judicialização após a aprovação da medida. É melhor discutir o assunto agora.” A ideia de uma comissão reunindo Senado e Câmara, que tem sido mencionado por parlamentares e especialistas que acompanham os debates da reforma, também é bem-vinda. “A expectativa é que comecemos a ter algo mais palpável”, diz ela, se referindo a um projeto convergente de reforma.
Para Fabiana, uma possibilidade para amenizar o aumento de carga nos serviços seria ter três tipos de alíquota, ao menos. Ela defende um modelo que permita algum tipo de isenção, até, para alguns setores.
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