Ao imaginarmos o ensino superior formal, logo materializamos uma sala de aula e um docente explicando conceitos para estudantes, pelo menos em cursos como direito e administração. Esse pensamento ecoa um modelo de ensino baseado na “transmissão de saber”, cujo principal momento é a palestra do professor ou da professora à sua turma.
Essa concepção, porém, vem perdendo cada vez mais espaço à medida que se compreende melhor como se dá o processo de aprendizagem e o papel ativo dos estudantes na construção do próprio conhecimento. O espaço quase mágico da sala de aula perde (se chegou a ter algum dia) a exclusividade.
É possível e desejável que os estudantes e as estudantes se mantenham motivados e aprendendo também fora da sala e do horário de aula.
Em um ensino participativo, é fundamental que o planejamento considere na estrutura do curso atividades extraclasse a serem realizadas pelos(as) estudantes, seja no ensino a distância, seja no ensino híbrido, seja no ensino presencial. Nem todas as informações e práticas podem ser feitas no encontro síncrono — nem deveriam.
Pretendemos neste artigo, portanto, compartilhar algumas dicas, com base em nossas experiências, sobre como desenhar atividades para fora de sala de aula, assíncronas, que engajem e contemplem a diversidade de perfis de alunado.
Escolher entre atividades autônomas, anteriores ou posteriores à aula
Para saber como posicionar atividades assíncronas no curso, saiba que elas podem ser anteriores à aula, com as duas funções principais de sensibilizar ou informar os estudantes; posteriores à aula, com as duas funções principais de consolidar a aula ou desestabilizar e gerar reflexão; ou autônomas à aula, avançando objetivos de aprendizagem complementares ou específicos.
Não reproduzir em sala de aula exatamente o que fizeram no ambiente online
O exemplo clássico do que não se deve fazer é pedir leitura prévia a aula e fazer uma exposição que repete o que estava na leitura, com a expectativa de que estudantes preparados trarão perguntas. Se a sala de aula simplesmente repetir a atividade assíncrona, a turma não se sentirá estimulada nessa tarefa e, ainda, não levará tão a sério os encontros seguintes, por supor que a tarefa será feita pelo(a) professor(a).
Estimular a autonomia e autenticidade
Deixar que escolham o que e como fazer, ou qual tema abordar, além de ser instigante aos(às) estudantes, estimula a autonomia e autenticidade, fazendo com que se engajem muito mais nas tarefas extraclasse e, posteriormente, nas próprias atividades em sala de aula. De maneira mais simples, é possível indicar “níveis” para cada atividade, possibilitando aos estudantes autoavaliarem seu conhecimento prévio e se adaptarem de acordo.
Incentivar a cooperação
Dependendo do perfil e disponibilidade do grupo, propor uma tarefa conjunta pode ser muito frutífero para a experiência dos estudantes. Além de eles(as) interagirem, estimula-se a cooperação entre todos(as). Um exemplo é permitir prova com consulta a qualquer material, estimulando a turma a construir grupos de estudos ao longo do curso.
Pensar atividades interativas
Usar guias de exercícios, atividades de repetição para fixar conceitos, participar de fóruns online na plataforma de curso ou aplicativos mais lúdicos que exijam cooperação com colegas, todas essas são formas que motivam os(as) alunos(as) a estudar antes e depois de uma aula. De uma maneira mais leve, eles podem interagir e aplicar o conteúdo estudado.
Propor desafios
Sugerir uma tarefa cujo resultado será utilizado na aula seguinte pode ser interessante por desafiar os estudantes e envolvê-los(as), por meio de uma abordagem lúdica, a se empenhar antes da aula. Aplicativos e softwares, como Google Forms, podem ajudar na criação desse tipo de desafio com interatividade e níveis de progressão.
Dosar a carga conforme o perfil de alunado
O perfil de alunos pode ser muito diferente. Para quem trabalha durante o dia, reservando o horário pós-expediente para estudar, não só o tempo para obter informações fica escasso, competindo com o horário de aula, como a disposição física e mental para assistir às aulas pode ser prejudicada. A realidade pode ser diferente para estudantes de período integral, que provavelmente estão numa fase da vida com circunstâncias que permitem concentrar esforços maiores nos estudos e com mais flexibilidade, como realizar um trabalho em grupo em horário extraclasse, por exemplo. Daí a importância de se levar em consideração o perfil e a realidade de cada turma para então dosar a carga, a periodicidade e a dificuldade de atividades.
Dar retorno de desempenho
Oferecer sempre retorno sobre todas as atividades realizadas indica para os(as) estudantes que elas têm valor para a formação deles. Reconhecer os esforços e contextualizá-los no percurso de aprendizagem faz com que se sintam valorizados e possam avaliar sua própria evolução.
Reduzir escopo ou padronizar para superar o trabalho
Um desafio das atividades assíncronas, especialmente quando frequentes, é a carga de trabalho para docentes, principalmente quando não são remunerados para isso. Pensar atividades com retornos de desempenho bem curtos e específicos pode ajudar a lidar com grande quantidade de estudantes – por exemplo, pedir um parágrafo de texto em vez de uma página de texto, para avaliar especificamente como decidiriam um caso. Uma alternativa é padronizar o retorno, por meio de questionários, por exemplo, que trazem pontos que podem se repetir nas várias respostas.
Pensar em diferentes formas de motivação
Nem todos os estudantes se motivarão igualmente. Estímulos externos (como nota ou prêmios) são boas formas de garantir engajamento nas atividades para aquelas pessoas que não têm uma motivação pessoal para o curso. Não pense apenas em avaliações, considere também incentivos reputacionais (ex. recomendação em redes sociais) ou profissionais.
Essas dicas não substituem a avaliação de cada docente sobre sua realidade, mas podem dar uma direção. O importante é que se mantenha a autocrítica e a flexibilidade para adequar as atividades extraclasse às situações que aparecem.
Artigo escrito em parceria com Guilherme Forma Klafke: líder e gestor de projetos no Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI), onde também é professor do programa de pós-graduação lato sensu
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
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