Os deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) pediram, nesta segunda-feira (19), que o Ministério da Educação (MEC) explique por que o candidato que acertou todas as perguntas de matemática da 1ª prova impressa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tirou uma nota maior do que quem também gabaritou a disciplina, mas na versão digital.
No requerimento de informação apresentado, os parlamentares dizem que “os estudantes que realizaram a edição tradicional foram beneficiados pela metodologia de Teoria de Resposta ao Item (TRI), em detrimento dos que realizaram o Enem Digital, afetando o acesso ao ensino superior”.
Candidatos das três edições do Enem 2020 (duas impressas e uma digital) concorrem às mesmas vagas em universidades por programas como o Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Segundo os deputados, notas máximas diferentes em cada uma das provas levam a um processo seletivo desigual.
Em números, o que aconteceu foi o seguinte: no Enem impresso, quem acertou as 45 perguntas de matemática tirou 975 pontos nesta parte da prova. No digital, candidatos que também acertaram todas afirmam que chegaram a uma nota menor —945 pontos.
Houve erro do Inep?
Especialistas no modo de correção do Enem entrevistados pelo G1 afirmam que, de fato, alguns candidatos podem ter sido prejudicados.
No entanto, esclarecem que este problema ocorre todo ano e em todas as disciplinas, já que, no Sisu, há sempre participantes de pelo menos duas provas diferentes do Enem (uma versão para a maioria, e outra para jovens privados de liberdade ou que tiveram problemas logísticos na data original da avaliação).
Pelo modo de formular as questões, é impossível elaborar duas provas com o exato mesmo nível de dificuldade. Em 2020, portanto, não houve um erro do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) ao formular o Enem digital.
O que se viu foi o mesmo problema observado em todas as últimas edições: colocar concorrentes de um mesmo processo seletivo resolvendo testes diferentes.
Como o Enem é corrigido?
A Teoria de Resposta ao Item (TRI) é uma forma de correção diferente da que é usada na Fuvest, por exemplo, em que o número de acertos corresponde à nota final. No Enem, cinco candidatos podem acertar exatamente a mesma quantidade de questões, mas tirarem notas bem diferentes.
Isso porque a TRI busca detectar a coerência no desempenho dos candidatos – ela é programada para dar uma nota menor a quem “chutar” as respostas.
Por que as notas máximas foram diferentes para quem acertou todas?
Com base nos acertos de um estudante na prova, ele é colocado em uma espécie de “régua” que mede suas habilidades. E esta escala não vai de 0 a 1.000: dependendo do nível de dificuldade das perguntas, mesmo quem acerte todas pode chegar “só” a 975, por exemplo, como aconteceu no Enem 2020.
Tadeu da Ponte, coordenador do Insper (SP) e fundador da empresa de avaliações educacionais Primeira Escolha, explica que, pela TRI, a nota máxima de uma prova é o valor da questão considerada “mais difícil”.
Ele faz uma analogia: imagine uma competição de levantamento de peso. O maior desafio do duelo entre João e José será erguer 95 quilos. Isso significa que, se os dois conseguirem cumprir a prova, ambos tirarão 95. Como nenhum deles precisou tentar levantar 100 kg, a “nota máxima” que poderiam alcançar não chegaria a 100. Só a 95.
Pensando agora na avaliação do Inep: quanto mais alta a pontuação de uma pergunta, mais “pesada” era a “carga” que o aluno teria de levantar.
No Enem impresso, a pergunta mais difícil exigiu que o candidato tivesse 975 pontos na régua de proficiência. Já no Enem digital, quem gabaritou matemática precisou ter menos trabalho: “levantar 945 pontos” já era suficiente.
Mas será que, se você desse uma pergunta (ou um “peso”) de 975 pontos, estes alunos do Enem digital também teriam concluído a prova com 100% de aproveitamento? Não sabemos. Por isso, há a tal “injustiça”. Estes estudantes não tiveram a chance de mostrar se também conseguiriam cumprir os 975 pontos conquistados pelos adversários. Na nota final, ficaram com 30 pontos a menos.
Não dá para evitar que o problema ocorra?
No Enem, há sempre o objetivo de elaborar uma prova com uma quantidade equilibrada de questões fáceis, médias e difíceis. Para classificar o nível de dificuldade de cada uma, o Inep aplica pré-testes para grupos semelhantes aos que vão prestar o exame, anos antes.
Com base no número de pessoas que acertaram aquela resposta, é possível mensurar a dificuldade dela e montar um banco de perguntas amplo.
“É quase impossível fazer duas provas que tenham a questão mais difícil no mesmo valor. O Inep busca ter questões em toda a escala, com boa variabilidade, mas é complicado ser numericamente igual. Tecnicamente, não houve nada de errado em 2020”, diz Tadeu da Ponte. “Essas diferenças de uma prova para a outra são normais. A injustiça está no Sisu.”
Filipe Couto, diretor pedagógico do Colégio pH, concorda. “Você vai ter sempre notas máximas diferentes em provas diferentes. O problema é que elas não poderiam ser usadas na mesma seleção. Se o aluno pega uma prova mais fácil, sua nota máxima será menor, e ele não terá culpa disso”, explica.
“É algo que ocorre todo ano, mas que ficou acentuado em 2020, com mais pessoas fazendo as outras versões da prova. Será um problema sério se o MEC implementar várias edições do Enem digital por ano [para um mesmo Sisu].”
Retorno do Inep
Até a última atualização desta reportagem, o Inep havia informado apenas que a nota máxima do Enem 2020, em matemática, havia sido de 975. O G1 pediu para que a autarquia confirmasse que a versão digital teve o teto de 945 pontos, mas não obteve resposta.
Sobre as possíveis injustiças no processo seletivo do Sisu, o Inep também não se pronunciou.
Pelo requerimento dos deputados, o ministro Milton Ribeiro deverá responder às seguintes perguntas:
- Quais as explicações do Inep para as denúncias de existência de discrepâncias nas notas máximas do Enem tradicional e do Enem digital? Quais ações o Inep adotará para resolução das denúncias?
- De que forma a metodologia de avaliação de Teoria de Resposta ao Item (TRI) foi abarcada no Enem Digital 2020 e no Enem Tradicional 2020?
- Houve diferenças no planejamento de itens e na metodologia do Enem Digital para o Enem tradicional? Caso sim, quais foram essas diferenças?
- Segundo planejamento do próprio MEC, o Enem digital terá continuidade na edição de 2021. Quais ações o Ministério irá adotar para reorganizar as metodologias, a fim de evitar novas discrepâncias de notas?
O pedido aguarda o parecer do relator na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
FONTE: ABMES
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