Os desafios que a cada dia surgem no cenário do ensino superior são inúmeros, principalmente quando sabemos que as condições desse ensino variam, e muito, se considerarmos a região, o tipo de instituição, recursos financeiros e sua governança, enquanto se cerca de inovação e da convergência entre a educação digital e a realidade.
Muito ainda se fala sobre os impactos negativos da pandemia, mas, ao mesmo tempo, também sobre as oportunidades que as tecnologias digitais encontraram para amenizar nossos problemas e, também, inovar no setor educacional. Porém muitas são as brechas digitais no desenvolvimento das competências do século 21, na capacitação das pessoas para o uso de tecnologias educacionais mais eficientes, para uma incorporação efetiva na rotina de professores e alunos, mesmo que paradoxalmente diferentes tipos e contextos tecnológicos estejam no nosso dia a dia.
Embora o tema do domínio das tecnologias digitais seja muito relevante na educação, vou ater-me a estratégias de aprendizagem ativa que não necessitam de ferramentas complexas, mas de planejamento e atitude do docente para despertar no aluno foco, interesse e participação durante as aulas e fora delas. O docente não precisará responsabilizar a ausência de uma superestrutura para fazer excelentes aulas.
Dentre essas estratégias, e também como grande desafio, encontra-se a incorporação da neuroeducação, que ganha corpo com a finalidade de abordar o conhecimento e a inteligência, quando integra a psicologia, a educação e a neurociência, e que acaba por fortalecer a aprendizagem ao longo da vida (life long learning), para o que as IES já estão olhando. Não vou me aprofundar no tema da neuroeducação propriamente dito, mas em simples estratégias que vêm desse estudo e para as quais os docentes precisarão voltar-se.
Ter como base pesquisas sobre o uso da ciência na aprendizagem
Vou contextualizar com o programa Innovation in Teaching, ofertado por Laspau, afiliada de Havard, em parceria com o Santander Educação e com a Global Alumni, da Espanha, que consiste em uma experiência de imersão no ensino ativo e nas metodologias de aprendizagem. Os participantes são docentes de diferentes partes do mundo, 10 diferentes países, aprendendo fundamentos, importância, as formas de implementação em aula e os critérios de avaliação da aprendizagem com essas metodologias. Tive a oportunidade de participar desse programa como mentora para os professores selecionados no Brasil.
Um dos módulos foi realizado pela professora Dra. Julie Schell, vice-reitora de continuidade instrucional e inovação na Faculdade de Belas Artes (COFA) da Universidade do Texas, em Austin. Nesse módulo, ela vai ao encontro do tema da neuroeducação, mas de forma muito acessível aos participantes, em que se refere a cientistas especializados nos elementos e propriedades de aprendizagem e os chama de “cientistas da aprendizagem”.
Há duas categorias de trabalho nesse campo científico específico. A primeira inclui neurociência e neurobiologia, voltando-se ao estudo do funcionamento do cérebro durante o aprendizado. A segunda categoria envolve a psicologia cognitiva e a ciência cognitiva, focando no estudo de como o pensamento e a aprendizagem funcionam e nos modos de tornar esse processo mais eficiente. Schell explora a segunda categoria, com três princípios da ciência cognitiva baseados em pesquisas e a aplicação desses fundamentos, que incluem algumas das descobertas mais consolidadas da ciência da aprendizagem, e garantem um ensino mais eficaz.
Ela propõe técnicas simples para tornar a aula significativa para o estudante, de modo que o aprendizado se concretize. E enquanto as brechas digitais já mencionadas não são preenchidas, o professor pode valer-se de elementos baseados em pesquisas da ciência da aprendizagem que, naturalmente, devem fazer parte de sua sequência didática nos momentos de aula: a técnica chunking, a aprendizagem multimídia e a prática de recuperação.
Ténica chunking – dividir as aulas em blocos é simples e eficaz para um ambiente de aprendizado ativo
A técnica chunking é um conceito importante baseado em pesquisa para aprendizagem avançada. Consiste em dividir uma longa aula em blocos de 7 a 10 minutos, que ajudarão os alunos a aprender de forma eficaz, pois leva em consideração que seres humanos podem prestar bastante atenção a uma tarefa por cerca de 7 ou 10 minutos por vez. Isso ocorre porque o espaço disponível em nossa memória de trabalho — que envolve pensamentos e percepções conscientes — é limitado.
Quando somos expostos a um fluxo constante de informação, mesmo que o tema seja de nosso total interesse e que haja elementos visuais de engajamento, nossa memória de trabalho (memória de curto prazo) corre o risco de sobrecarga, pois não há escolha a não ser sentar e escutar passivamente.
Os intervalos ou pausas realizadas entre os fluxos de informação criam espaço na memória de trabalho, dando tempo para que eles considerem o que o professor está dizendo e possam desenvolver uma cognição significativa em torno do conteúdo, e gerem memórias de longo prazo.
Aprendizagem multimídia – palavras e imagens ajudam os alunos a se engajarem com uma forma ativa de aprendizado e cognição
Schell abordou também o princípio da aprendizagem multimídia que diz que as pessoas aprendem melhor com a utilização de palavras e imagens do que apenas com palavras. Os componentes desse princípio são descritos no livro E-learning and the Science of Instruction, de Clark e Mayer. Como as imagens são processadas no cérebro em um canal diferente do verbal (que inclui palavras faladas e escritas), o princípio multimídia evita que haja sobrecarga em algum desses canais, como o que ocorre quando há excesso de informação em um deles, mas não há informação suficiente em outro. Isso nos leva de volta ao conceito de memória de trabalho, no sentido de que queremos liberar espaço dessa memória para garantir que os alunos permaneçam envolvidos.
Diante desse princípio, o docente deve aprender a preparar bem suas apresentações, tentar ao máximo usar imagens informativas em vez das puramente decorativas que podem sobrecarregar a memória de trabalho dos alunos, enquanto imagens instrutivas se limitam à carga cognitiva e considerar que nunca se deve ler o que está na tela ou no slide para os estudantes; utilizar figuras estáticas ou dinâmicas para ilustrar um tópico; preferir exibição progressivas para revelar textos e imagens.
Prática de recuperação – tão poderosa que alunos se lembrarão até mesmo do que estiver incorreto.
Por fim, ela também abordou um dos conceitos mais consolidados e poderosos da ciência da aprendizagem, a prática de recuperação (retrieval practice), que existe há mais de um século e é detalhada no livro Make it Stick: The Science of Successful Learning, de Brown, Roediger e McDaniel. Trata-se do ato de recuperar uma informação já aprendida, buscando recordar o conteúdo em vez de colocá-lo novamente no cérebro. Usar estímulos para encorajar o aprendizado ativo, por meio de perguntas que gerem relações, associações, análise, síntese, entre outros, em vez de fazer os alunos simplesmente revisarem e tentarem decorar toda informação abordada, garante um envolvimento com cognição ativa, que é mais profunda e significativa.
“Se um professor usar a prática de recuperação e nada mais para melhorar a aprendizagem dos alunos, ele já estará obtendo resultados positivos por usar uma das teorias mais consolidadas da ciência da aprendizagem”
Dra. Julie Schell, vice-reitora de continuidade instrucional e inovação na Faculdade de Belas Artes (COFA)
Como professora, acredito que embora haja muitos desafios que pareçam intransponíveis no momento para determinadas realidades institucionais, nesse mesmo momento há formas simples de agir que garantem resultados positivos para o que é a finalidade de qualquer instituição de ensino: o aprendizado.
As estratégias propostas por Julie Schell, cientificamente embasadas, nos fazem acreditar na força do docente que é quem pode acompanhar e avaliar o desempenho e o desenvolvimento do aluno melhor que qualquer tecnologia. Uma aula planejada sob métodos que vão ao encontro de objetivos de aprendizagem bem definidos e avaliação autêntica apenas depende de um docente engajado com a educação, com o futuro profissional a ser formado, com a pessoa sob sua responsabilidade.
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
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