Por Gilberto da Graça Couto Filho, Assessor Jurídico do SEMERJ, publicado no ConJur.
Desde março de 2020 o mundo virou de cabeça para baixo ante a decretação, feita pela Organização Mundial da Saúde, de estado de pandemia em razão da propagação em escala global da Covid-19. Desde a chamada gripe espanhola, que vitimou igualmente a população mundial, não vivemos algo parecido. Daqui a séculos, a população ainda estará debatendo este momento histórico pelo qual estamos passando, o qual, apesar das incertezas, muito nos ensinou.
Por mais paradoxal que seja, a educação foi justamente um dos segmentos mais atingidos, aflorando uma desigualdade que necessita um inadiável combate e possui consequências nefastas.
Voltando à realidade nacional e dentro daquilo que se insere no contexto educacional brasileiro, temos que alguns entes federativos, seja pela iniciativa de governadores, sejam pelos legislativos dos estados, entenderam por bem criar leis que impunham a redução compulsória do preço das mensalidades escolares sob a falsa premissa de que com a paralisação das atividades presenciais haveria uma redução dos custos fixos dos estabelecimentos, desconsiderando princípios de Direito Civil, notadamente no que se refere a uma indevida intervenção nos contratos já firmados entre alunos e instituições de ensino.
Na época, de maneira propositiva, o Ministério da Educação possibilitou o ensino remoto, flexibilizou calendários, quantidade de dias letivos, antecipação de formaturas para os cursos da área médica, entre outras medidas que possibilitaram a continuidade do ano então já em curso, mesmo que tal não tenha alcançado a totalidade dos alunos matriculados nas redes pública e privada.
Um esforço hercúleo foi empreendido pelas instituições, que rapidamente, e mediante vultosos investimentos, criaram ambientes virtuais de aprendizado, capacitaram alunos e professores, adequaram seus sistemas e meios tecnológicos para dar conta de uma demanda imprevista. Enfim, tudo fizeram para minimizar os prejuízos notórios que alunos sofreriam com o encerramento prematuro de suas atividades acadêmicas.
Todavia, na contramão dessa realidade e em sentido oposto a manifestações de órgãos públicos como a Secretaria Nacional do Direito do Consumidor (Senacom) — vinculada ao Ministério da Justiça — , o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e vários Procons estaduais, que vislumbravam efeitos danosos para as escolas em geral com a redução dos preços de suas mensalidades, os estados Ceará, Maranhão, Pará, Bahia e Rio de Janeiro legislaram e criaram leis que obrigavam as escolas a uma drástica redução dos preços contratados, sujeitando os “infratores” a pesadas sanções.
Órgãos de classe se mobilizaram e ocorreu junto aos tribunais locais e, posteriormente, junto ao Supremo Tribunal Federal o ajuizamento de diversas ações individuais e coletivas questionando a constitucionalidade dessas leis, as quais, num primeiro momento, ao ver de vários membros do Poder Judiciário, gozavam da presunção de constitucionalidade. O STF por entendimento dos relatores das arguições, não concedeu liminares sustando de plano a eficácia dessas leis estaduais, optando por submeter as ADIs ao Plenário, mesmo que a Lei Federal nº 14010/2020 tenha estabelecido o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia, reduzindo o espaço da competência complementar dos estados, ausente, nesse regime, a previsão geral de modificação dos contratos de prestação de serviços educacionais.
Fato é que somente agora, mais precisamente neste mês, foram concluídos os julgamentos das ADISs pelo Plenário do STF, tendo sido todas julgadas inconstitucionais em face do princípio da invasão da competência privativa da União em legislar sobre Direito Civil (artigo 22, I,CF), expurgando, portanto, essas famigeradas leis do universo jurídico.
A despeito do reconhecimento formal da inconstitucionalidade das leis estaduais sobre o tema, algumas delas perduraram por mais de um ano e geraram consequências. Diversas escolas, pequenas faculdades e mesmo instituições de maior porte fecharam as portas. Ainda hoje se verificam vários pedidos de descredenciamento voluntário de instituições de ensino superior tramitando junto ao Conselho Nacional de Educação (CNE).
Numa época em que o financiamento público praticamente é inexistente, e que pais e alunos estão desalentados, o que farão as escolas: cobrarão de volta o que as leis estaduais surrupiaram indevidamente de seus cofres aumentando a evasão escolar? Mais do que nunca legisladores e membros do Poder Judiciário têm de ter a noção da consequência de seus atos.
Se por um lado os contratos saem fortalecidos, como não poderia deixar de ser num Estado de Direito, o hiato do tempo em que os mesmos foram violados por disposições legais despropositadas ainda hão de trazer muitos prejuízos ao segmento educacional como um todo, cabendo uma profunda reflexão acerca de iniciativas de semelhante teor.
FONTE: CONSULTOR JURÍDICO
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