Celso Niskier
Celso Niskier, Vice-Presidente do SEMERJ e Diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)Reitor do Centro Universitário UniCarioca
20/02/2023 06:00:01
Após quatro anos de intensos debates, tudo indica que neste 2023 teremos a aprovação, pelo Congresso Nacional, da tão aguardada reforma tributária. Não caminhamos para uma revolução, visto que os pesados encargos sobre a folha, por exemplo, não estão sendo atacados, mas devemos ter mudanças significativas visando descomplicar, modernizar e sanar algumas distorções do sistema atual. Contudo, há que se perguntar: qual reforma tributária teremos e em que medida ela pode afetar o setor educacional?
O questionamento faz sentido se lembrarmos que a discussão tem sido fundamentada por duas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), em sintonia em relação à substituição de diversos tributos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (BIS) e o Imposto Seletivo, que tramitam simultaneamente nas duas Casas legislativas: a PEC 45/2019, na Câmara dos Deputados, e a PEC 110/2019, no Senado Federal. E em ambas, não há qualquer garantia de não elevação de carga sobre a educação.
Apenas para relembrar, o texto da PEC 45/2019, finalizado na Comissão Mista Especial da Reforma Tributária, sinalizava que “Lei complementar poderá prever regimes especiais de tributação”, até o décimo segundo-ano, para os “serviços de educação”, entre outros. Destaco aqui o “poderá”. Na PEC 110/2019, o relator propôs inserir na votação em plenário, após aprovar na CCJ, que o setor teria tratamento “favorecido” no IBS (hoje o setor paga um ISS médio de 2,44%, que seria substituído pelo IBS). E na CBS (substituiria PIS e Cofins), não há qualquer menção a tratamento favorecido. Destaco aqui que “favorecido” não garante nada também.
Não se trata aqui de defender um “privilégio” a algo dispensável e sim manter um justo mecanismo de compensação e de inclusão para viabilizar que uma parcela significativa da população tenha acesso a serviços e bens de consumo essenciais, como alimentação, saúde e educação.
Na esfera educacional, o setor particular de educação superior tem forte atuação em prol das classes C, D e E, às quais pertencem 89,6% dos estudantes. Através das instituições privadas, há oportunidade para que milhões de estudantes de baixa renda tenham acesso à graduação por meio de iniciativas como o ProUni e o Fies, mas, também por iniciativas próprias como concessão de bolsas de estudo e descontos.
Além disso, o setor particular desonera o estado do atendimento de milhões de estudantes e cumpre um papel econômico e social importantíssimo ao acolher nas suas instituições quase 80% dos estudantes de graduação do país. Se o progresso ainda é uma miragem no horizonte distante, qual seria a nossa situação socioeconômica sem os milhões de profissionais formados todos os anos pelas instituições particulares?
Mesmo com grandes esforços empenhados pelo setor educacional, o aumento de carga sobre as mensalidades resultaria em impactos para a sociedade, possivelmente, até mesmo com o fim do ProUni. Não há dúvida de que isso ampliaria de forma consistente a parcela da população que vê a educação superior como um sonho distante. Da mesma forma, o aumento de carga sobre as mensalidades da educação básica também afastaria milhões de estudantes, que se dispõem a se sacrificar para assumir o custeio e desonerar o próprio Estado. E tudo isso em um país no qual a educação é direito constitucional de todo cidadão.
Poderíamos seguir falando sobre outros desdobramentos, como o risco de apagão de mão de obra que tanto compromete o nosso desenvolvimento econômico, mas vou me ater à esfera pessoal. À importância da educação para que o indivíduo tenha a oportunidade de desenvolver todas as suas potencialidades e de exercer sua cidadania de forma plena. Ao principal mecanismo de ascensão social e de interrupção do dramático ciclo da pobreza.
Imagino que estruturar uma reforma tributária não seja uma missão simples em um país com a complexidade do Brasil, mas isso não desobriga os legisladores de pensarem nas atribuições sociais do Estado que são cobertas pela iniciativa privada. O país precisa de uma reforma tributária que contribua para a redução das desigualdades, e não que a alimente.