A pandemia do coronavírus não impôs mudanças apenas na rotina de vida de Guilherme Kitakawa de Souza, mas também no sonho de se tornar psicólogo. Com a troca das aulas presenciais por aulas remotas, o estudante viu a expectativa de fazer os primeiros atendimentos clínicos ir por água abaixo com a suspensão de aulas na faculdade. Motivo que fez com que o aluno do último ano do curso de psicologia da Unirp optasse por trancar a matrícula na instituição de ensino. “A gente estava tendo aula normal, mas quando falaram sobre aula remota durante a pandemia foi o motivo do meu trancamento”.
Quem também precisou trancar a matrícula no curso de direito e adiar o sonho de ser advogado foi Gabriel Munhoz. Os livros que tinha comprado e o sonho de passar no exame da OAB precisaram ser adiados por um tempo que nem ele sabe quando vai durar. “Estou triste porque gostava do curso. Espero voltar em breve. Neste momento de pandemia preferi dar visão a alguns projetos pessoais. Acredito que seja melhor recomeçar, com outros olhos, no ano que vem”, falou o estudante que trancou a matrícula na última semana.
Além da evasão, alguns alunos que continuam a estudar também encontram outro problema. As dificuldades para acessar as aulas online por falta de computador. “No meu caso, até estou conseguindo pagar a mensalidade porque tenho bolsa parcial. Mas, minha maior dificuldade é não ter um computador. Nas provas, eu contei com ajuda de colegas que me mandavam as questões, depois de respondida mandava pelo celular para minha amiga preencher no Word e ela criava o arquivo e mandava a prova pra mim. Como meu celular é simples, não consigo baixar o aplicativo do Word ou PDF”, contou o aluno do 5° período do curso de Direito, Bruno Silva Mello.
Dificuldades que se tornam barreiras para muitos estudantes. Entre os principais fatores apontados pelos alunos para desistir estão: dificuldades financeiras de pagar a mensalidade por conta do desemprego – que deixou mais de 3,3 mil rio-pretenses sem emprego em abril, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia; descontentamento com as aulas remotas e até dificuldades em acompanhar às aulas por falta de acesso a um computador ou até celular.
Dados obtidos pelo Diário com base em um estudo do Instituto das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp) evidenciam isso. No Brasil, o número de alunos que desistiram ou trancaram matrículas em abril aumentou 32,5% em comparação com o mesmo período do ano passado.
É o caso de Hortência Ribeiro de Azambuja, 35 anos. Há quatro anos ela percorre diariamente 280 quilômetros – ida e volta – entre Itapagipe (MG) e Rio Preto para cursar psicologia. Contudo, a rotina que estava com dias contados para terminar foi interrompida pela pandemia que a deixou desempregada e a obrigou a trancar a matrícula no último ano de faculdade.
“Quatro anos de faculdade fazendo essa vida, saia de Itapagipe às 16h30n para chegar às 19h em Rio Preto e no último ano acontece isso. Fiquei desempregada e fica complicado pagar a mensalidade. Bate o desanimo, mas temos que entender. O ano que vem se Deus quiser eu vou voltar para concluir”.
Segundo a pesquisa do Semesp, esse crescimento da evasão no ensino superior foi estimulado, principalmente, pela desistência dos alunos matriculados em cursos presenciais e ingressantes – calouros do primeiro semestre. “Ou seja, alunos que ingressaram no curso superior neste ano e após um mês tiveram as aulas presenciais suspensas e começaram a ter de forma remota”, disse Rodrigo Capelato, diretor do Semesp.
Apenas no estado de São Paulo, a taxa de evasão cresceu 20,5% nos cursos presenciais. Nos cursos à distância – menos comprometidos pela pandemia – a taxa de evasão caiu 12,9% no estado.
Para o diretor executivo da Associação Brasileira das Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Sólon Caldas, essa evasão de alunos em cursos presenciais pode agravar a situação financeira de instituições de ensino do país e como prejudicar o avanço educacional do Brasil. “A evasão sempre foi motivo de preocupação não só do ponto de vista das instituições de ensino superior, mas principalmente pela formação de mão de obra para o desenvolvimento do País. O motivo principal da evasão é a situação financeira dos estudantes diante dessa situação e que, em muitos casos, podem se agravar”.
Inadimplência
O aumento da inadimplência também preocupa o setor particular de ensino. Dados do Semesp, mostram que a taxa de inadimplência no ensino superior privado do Brasil ficou em 26,3% em abril, valor 72,4% maior que no mesmo período de 2019.
De acordo com o estudo, as mensalidades em atraso dos cursos presenciais apresentaram maior aumento nesse período, em torno de 75,8%. “As instituições de ensino superior de grande porte registraram a taxa mais alta de inadimplência. Em abril de 2020, o percentual ficou em 29,5%, enquanto que as instituições de pequeno ou médio porte atingiram 25,2% no mesmo período”, apontou Capelato.
Apenas no estado de São Paulo, a taxa de inadimplência cresceu 73,2% em comparação com o mês de abril do ano passado. “Os dados também mostram um aumento maior da inadimplência nas instituições da Região Metropolitana de São Paulo, cerca de 79,7%, enquanto que, no Interior do Estado de São Paulo, o índice aumentou 68,5%”, explicou o diretor do Semesp.
Na opinião de Sólon da ABMES, o momento é delicado e estudantes e familiares, assim como instituições e professores, estão tendo que passar de forma abrupta por um desafiador processo de transformação digital da educação. “Neste sentido os alunos que estiverem passando por situação financeira difícil devem procurar sua instituição de ensino para juntos encontrarem a melhor solução para o problema. Certamente as instituições de ensino superior farão de tudo para a manutenção do estudante na sala de aula”, falou.
Enquanto isso, Guilherme – o estudante de psicologia de 23 anos que resolveu trancar o curso no último ano por conta da pandemia do novo coronavírus – fica na expectativa pela volta às aulas presenciais. “A pandemia meio que adiou e atrasou a minha formação, tem o lado ruim, mas também o bom, pois estou conseguindo ter mais tempo com minha família e estou ressignificando muita coisa na minha vida. Sim, eu fiquei chateado por ter trancado, mas foi uma escolha”, finalizou.
Faculdades se adaptam
Como forma de reverter a evasão, muitas faculdades tiveram que se reinventar: desde investimento em sistemas próprios de ensino para ofertar aulas online até a adaptação do calendário.
Além disso, diferentemente da maioria das universidades públicas, que no primeiro mês anteciparam as férias escolares, as instituições de ensino superior privadas de Rio Preto tentaram se adaptar a tempo para continuar os cursos presenciais durante à pandemia.
A medida foi tomada após o Ministério da Educação publicar um decreto autorizando que aulas presenciais fossem substituídas por aulas remotas. Organizações educacionais aconselharam que as universidades privadas continuassem o semestre letivo como forma de não perder ainda mais alunos.
Na Unirp, segundo o diretor administrativo Luiz Bastos, um Comitê de Enfrentamento de Crise foi criado para para minimizar as consequências de trancamento de matrícula em função das dificuldades no pagamento as mensalidades. “Os casos financeiros estão sendo solucionados dentro das possibilidades da instituição e das necessidades expostas pelos alunos”, disse.
A coordenadora geral de cursos da Unorp, Rosângela Vilela Bianchi, disse que a instituição também tem avaliado cada caso. “Os alunos que procuraram e tiveram dificuldades nós fizemos negociações. Inclusive na rematrícula estamos dando desconto”.
Por meio de nota, a Unilago informou que também tem recebido as demandas individuais e tem, na medida do possível: “encontrado soluções que atendam a estas necessidades, seja em descontos especiais para este período ou na flexibilização de pagamentos”.
Questionadas sobre a evasão, as três universidades disseram que tiveram ‘trancamentos’ de alunos, mas que aconteceram dentro das estatísticas. Procurada, a UNIP de Rio Preto não respondeu até o fechamento da reportagem.
Fonte : ABMES