Celso Niskier
Celso Niskier, Vice-Presidente do SEMERJ e Diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)Reitor do Centro Universitário UniCarioca
24/02/2025 09:00:01
A expansão do acesso à educação superior promovida nas últimas décadas pelo setor privado intensificou o debate sobre a qualidade da oferta, pauta essencial para um país que tem na educação sua maior esperança de progresso. Atento às transformações e às demandas da área, o Ministério da Educação (MEC) tem investido em medidas como a revisão do marco regulatório e o aprimoramento do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes).
Essa não é uma tarefa simples, e nem rápida, mas órgãos reguladores e instituições representativas, como a ABMES e o Fórum Brasil Educação, têm trabalhado arduamente no sentido de construir soluções que incidam na origem do problema (melhorar a qualidade dos cursos que estão aquém do nível desejado – minoria, registre-se) em vez de punir o estudante que passou anos se dedicando em uma graduação. Para os dois lados, não há negociação no que se refere ao quesito qualidade.
Também sob o pretenso objetivo inquestionável de garantir qualidade, alguns órgãos de classe, criados para fiscalizar o exercício da profissão, pretendem se colocar como certificadores da formação com uma proposta que parte de uma visão equivocada do processo pedagógico. Aqui não cabe simplificações nem reducionismos. Os cursos precisam ser avaliados e os alunos acompanhados para que ao longo da sua trajetória na graduação todas as necessidades de formação sejam supridas e ele não vá para uma única prova de “vida ou morte”, que pode jogar todo seu esforço, da sua família e da própria sociedade por água abaixo.
O Brasil possui uma das mais rígidas regulamentações relacionadas à educação superior do planeta, que inclui uma vasta lista de atribuições e responsabilidades focadas na qualidade dos cursos de graduação – e que são atendidas pela maioria expressiva das instituições educacionais. Além disso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) possui ampla base de dados relativa ao desempenho das instituições e dos estudantes, por meio de iniciativas como o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade).
Sabemos que em alguns casos esses esforços não têm sido suficientes, mas também sabemos que meramente dar aos conselhos profissionais o direito de aplicar uma prova que vai definir o futuro do egresso do ensino superior é a medida mais equivocada que o país pode adotar. Trata-se de um remédio amargo que não vai incidir sobre a causa da doença, mas sobre a sua consequência, atrasando ainda mais o desenvolvimento de uma nação que clama por profissionais qualificados e preparados para atuar nestes tempos atuais.
No caso do exame aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), referência utilizada pelos outros conselhos profissionais, há que se ponderar um efeito colateral pouco debatido: o fato de os cursos de graduação focarem em formar profissionais para serem aprovados na prova, dentro do que o órgão de classe entende como avaliação, e não para atuarem como advogados.
A ideia de que o exame de proficiência pode corrigir falhas educacionais é reducionista. A formação de profissionais mal preparados é indicativo de falhas em aspectos como a estrutura curricular, os processos de ensino-aprendizagem ou até na estrutura acadêmica. Nesse contexto, o exame de proficiência para recém-formados apenas mascara o problema estrutural, sem atacá-lo diretamente, criando uma falsa sensação de que o sistema está sendo corrigido. E não está. Instituições que não ofertam cursos de qualidade continuarão no mercado enquanto seus egressos serão penalizados.
Propositivamente, a melhoria da qualidade do ensino ofertado naquelas instituições que ainda não alcançaram os padrões almejados passa pela união de esforços entre os órgãos reguladores, as entidades representativas e também os conselhos profissionais com o intuito de discutir o aperfeiçoamento do atual sistema de avaliação. Exames que retiram a autonomia das instituições de educação superior e do Ministério da Educação não resultarão em nada diferente do que se tem hoje.
Caso a preocupação dos conselhos profissionais seja genuinamente com a qualidade dos cursos de graduação, fica o convite para que abandonem a ideia punitivista de um exame de proficiência se juntem a nós nessa jornada rumo à construção de soluções efetivas, que incidam na origem do que pode ser uma formação deficiente. Vale reforçar, contudo, que a decisão final sobre os referenciais de qualidade, sejam eles quais forem, deve ser assegurada ao Estado por meio dos seus órgãos reguladores.
A transformação da educação brasileira passa pelo reconhecimento de que seus agentes reguladores são comprometidos e capazes de promover as mudanças necessárias, e não na responsabilização de quem é o mais prejudicado com uma formação sem qualidade: o estudante.