Notice: Trying to get property of non-object in /var/www/vhosts/semerj.org.br/www/wp-content/themes/elegant-magazine/inc/hooks/blocks/block-post-header.php on line 15

A encruzilhada do ensino superior

População em idade universitária decrescendo, matrículas no ensino médio em queda, financiamento estudantil limitado, queda nas ações das empresas de capital aberto, guerra de preços se acentuando. Essas são forças que têm caracterizado a educação superior brasileira nos tempos mais recentes e que devem continuar ao longo de 2023. Ou seja, o cenário para o ano deverá seguir pressionando as instituições, que continuarão a serem impactadas com a redução da demanda e a queda nas receitas.

Será um ano difícil. O novo governo terá um orçamento apertado e dificuldades para lidar com o Congresso, não haverá muito espaço para ampliação do FIES, como ocorreu no passado. Nas instituições, os projetos de inovação sofrerão a concorrência com as estratégias de defesa e de redução de custos. Por outro lado, os que ficarem parados terão menos chance de serem poupados das adversidades que virão com o tempo. Será a batalha do curto contra o longo prazo.

A Figura 1 ilustra a queda na população em idade universitária. Como pode ser notado, o Brasil vinha apresentando aumento populacional nessa faixa até 2006, o pico do chamado “bônus demográfico”. De lá para cá essa população vem caindo. Nos próximos 10 anos estima-se uma queda de 2 milhões de jovens, o que irá impactar na demanda por cursos superiores.

Figura 1. Tamanho da população brasileira (em milhões) com 20 a 24 anos de idade (retrospectiva e projeções)

Fonte: IBGE

O mesmo comportamento pode ser notado na Figura 2, que mostra o reflexo da queda demográfica nas matrículas do ensino médio no Brasil.

Figura 2. Matrículas no ensino médio em instituições públicas e privadas no Brasil (em milhões)

Fonte: Censo Escolar – INEP

A queda na demanda tem afetado particularmento os cursos presenciais em instituições privadas, que já perderam 30% de sua base de alunos desde 2015. Vale notar, porém, que não houve redução nas matrículas em cursos presenciais em instituições públicas, posto que não estão sujeitas às dinâmicas do mercado (Figura 3).

Figura 3. Matrículas em cursos superiores presenciais, em instituições públicas e privadas, no Brasil (em milhões)

Fonte: Censo da Educação Superior – INEP

Boutiques e medicina

Como essas instituições continuarão a atender a demanda de alunos de classes sociais mais altas, a redução da demanda deverá afetar mais os cursos “premium” das instituições privadas, aqueles com maior valor de mensalidade, que tendem a ficar restritos para alguns nichos, como instituições pequenas (“boutiques”) ou cursos como medicina.

A base da pirâmide, por sua vez, poderá experimentar algum crescimento nos cursos a distância, cujo aumento é explicado em boa parte pela drástica redução do FIES. A Figura 4 ilustra esse fenômeno, ou seja, o baixo valor da mensalidade dos cursos EAD tem sido o substituto para a falta do financiamento estudantil.

Figura 4. Comparação da evolução da quantidade de bolsas do FIES (em milhares) com matrículas em cursos superiores a distância, em instituições privadas no Brasil (em milhões)

Fontes: FNDE e Censo da Educação Superior – INEP

Concentração

Mas esses cursos ficarão cada vez mais concentrados nas mãos poucos, já que para essa faixa do mercado, a escala faz muita diferença. No Censo de 2021, dois de cada três alunos matriculados em cursos superiores de instituições privadas do Brasil estudam em marcas pertencentes a cerca de 15 grupos consolidadores.

Complicado será para as 1700 instituições que não são parte desses grupos. Dos 6,9 milhões de alunos matriculados em instituições privadas, 4,3 estão com os grupos, sobrando 2,6 para essas 1700. Dessas, apenas 100 instituições possuem mais de cinco mil alunos. Ou seja, há no Brasil 1600 instituições com, em média, 750 alunos, um volume muito pequeno para assegurar sua viabilidade financeira. Terão mais chance de sobreviver aquelas que tiverem boa reputação, buscarem seus nichos e fugirem da guerra de preços.

Mas a vida também não será fácil para os grupos consolidadores. Depois de exibir contínuo crescimento por vários anos, esse é um mercado que bateu no teto. Por conta das situações demográficas e econômicas citadas, não haverá como sustentar crescimento expressivo nos próximos anos. O mercado financeiro já visualizou essa perspectiva e tem castigado duramente o valor das ações dessas empresas, que estão com suas cotações no patamar mais baixo de sua história, com perda, em média, de quase 80% de seu valor (Figura 5).

Figura 5. Comparação do valor médio das ações das empresas que atuam no ensino superior com o Índice Bovespa (em mil pontos)

Fonte: Yahoo Finance

Exercício de inovação

Novas ondas de crescimento só virão com novos modelos de negócio para essas empresas. O modelo baseado na receita de mensalidades está exaurido e será um exercício de inovação a concepção de novos conceitos. Mas esse exercício terá que superar o sistema de incentivos e bônus dos gestores, o qual premia prioritariamente os resultados de curto prazo.

A maioria das instituições de ensino superior usa o mesmo modelo pedagógico: existe uma matriz curricular, com módulos semestrais e em cada módulo há ao redor de 5 disciplinas. As disciplinas estão dispostas na matriz de forma progressiva: primeiro as básicas, depois as intermediárias e por fim as profissionalizantes. No semestre, as aulas ocorrem ao longo de 15 a 20 semanas e os alunos são avaliados em provas. Durante a aula, cada professor adota sua estratégia, usualmente aulas expositivas baseadas no Power Point. A conexão com os setores produtivos e a sociedade como um todo se dá principalmente nos componentes finais, tais como estágios e trabalhos de conclusão.

Instituições que usam esse modelo e estão satisfeitas com os seus resultados acadêmicos não têm razões para mudá-lo. Mas aquelas que sentem a necessidade de melhorar esses resultados, é pouco provável que consigam sem promover alterações no modelo. Nesse contexto, muitas instituições têm buscado implementar metodologias de aprendizagem ativa, tais como sala de aula invertida, aprendizagem em times e estudos de casos, principalmente através de programas de capacitação docente. Esse é um cenário que deve continuar nos próximos anos.

Todavia, há dificuldade em escalar a adoção dessas metodologias pelos docentes, por vários motivos, tais como resistência, desconhecimento, desânimo ou falta de tempo. O fato é que a implementação de metodologias ativas sobre um modelo pedagógico tradicional, através da capacitação docente, tem alcance limitado. É necessário um mecanismo estrutural, implementado de forma transversal em todos os cursos, para assegurar a adoção dessas metodologias de forma fluida e consistente. A Aprendizagem Baseada em Projetos (“Project-Based Learning” – PBL) tem sido uma frequente opção para esse mecanismo, em diferentes arranjos em sua implementação (Figura 6).

Figura 6. Diferentes formas de implementação da Aprendizagem Baseada em Projetos (“Project-Based Learning” – PBL)

Fonte: Adaptado pelo autor a partir de CHEN, J.; KOLMOS, A.; DU, X. Forms of implementation and challenges of PBL in engineering education: a review of literature. European Journal of Engineering Education, v.46, n.1, p.90-115, 2021.

Outra tendência pedagógica é a inclusão do “Pensamento Computacional” como tema transversal em todos os cursos. Todas as profissões, de alguma forma, terão que lidar com seus pilares de decomposição, reconhecimento de padrões, abstração e algoritmos. Saber programar e escrever códigos passará a ser uma habilidade requerida em todas as carreiras.

Na linha da tecnologia, a organização dos conteúdos curriculares em estruturas hierarquizadas (“tags”) passará a ser um diferencial para a aplicação de diversos recursos que serão abordados a seguir. Cada vez mais se falará de “ensino suportado por tecnologia”, ao invés de “ensino híbrido”, o qual muitas vezes apenas transpõe para o meio digital conceitos pedagógicos a serem superados, conforme descrito anteriormente.

O ano de 2022 foi agitado pelas notícias relacionadas com o Metaverso, principalmente depois das declarações de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, feitas no ano anterior, quando delineou a sua visão para o futuro. Em uma apresentação na sua conferência anual, Zuckerberg anunciou que a empresa está renomeando como Meta e afirmou: “Acreditamos que o Metaverso será o sucessor da internet. Seremos capazes de nos sentir presentes como se estivéssemos ali com as pessoas, não importa o quão distantes estejamos”.

Todavia, passada a rebentação, só ficou a espuma. De concreto, até hoje não se sabe exatamente como se dará a introdução das chamadas “experiências imersivas” e, muito menos, seu real impacto na educação. Foi um efeito parecido com a “X-Reality” (XR), expressão que engloba a realidade virtual, realidade aumentada e realidade mista. Depois de vários pilotos com cenários 3D e óculos de imersão, essa é uma tecnologia que não emplacou e ainda está restrita a determinados nichos.

O principal entrave está no equívoco de colocar a tecnologia antes da pedagogia. Ou seja, as experiências imersivas 3D, além de caras e de complexo desenvolvimento, no final são como objetos instrucionais e necessitam de uma arquitetura pedagógica prévia para determinar sua aplicação e forma de utilização. Não há sinais de que essas tecnologias tenham impacto significativo na educação, ao menos no curto prazo, exceto em situações isoladas, conforme mencionado.

O mesmo vale para outras tecnologias como blockchain e IoT. Sua utilização, de fato, tem sido crescente, em diversos segmentos, mas não na educação, exceto como objeto de estudo em si, em cursos de computação.

Por outro lado, tem surgido uma tendência importante, que é a substituição dos tradicionais ambientes virtuais de aprendizagem (“Learning Management Systems” – LMS), por plataformas permanentes de relacionamento social e aprendizagem, os chamados “Next-Generation Digital Learning Environment” (NGDLE). Trata-se de ambientes que combinam as funcionalidades dos LMS com aquelas das redes sociais.

Também deverá ganhar tração nos próximos anos a infraestrutura para a geração de relatórios e painéis de indicadores de performance acadêmica, incluindo conceitos como “data lake”, “data warehouse” e “data mart”. É o BI (“Business Analytics”) chegando ao mundo acadêmico, com certo atraso.

Mas o que promete mesmo revolucionar a educação em termos de tecnologia são as aplicações com base em inteligência artificial, principalmente:

  • Modelos preditivos: usando machine learning, esses modelos são capazes de prever eventos como conversão em processos seletivos, sucesso acadêmico e evasão de alunos, otimizando os recursos e aumentando a eficiência no relacionamento e suporte pedagógico.
  • Recomendação: da mesma forma que faz o Netflix e a Amazon, esse recurso permite personalizar a aprendizagem do aluno, expondo-o a conteúdos específicos conforme suas necessidades e interesses, num conceito conhecido como aprendizagem adaptativa (“adaptive learning”).
  • Tutores virtuais: com o avanço das tecnologias de bots em chats, haverá uma grande expansão de sua utilização na educação, especialmente em cursos a distância. Os atuais modelos baseados em regras e/ou similaridade de textos vão evoluir para algoritmos mais inteligentes. O ChatGPT é um exemplo do tipo de interação que em breve será possível ser criado no meio educacional, criando uma terceira camada de interação, além das existentes camadas de tutor e professor.

Maurício Garcia é cientista digital, pesquisador em inovação e novas tecnologias aplicadas à educação e Conselheiro Acadêmico do Instituto de Tecnologia e Liderança (Inteli)

Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR

About The Author