Por Alfredo Nastari*
Se fôssemos ser fiéis à nossa natureza, o planeta deveria se chamar Oceano e não Terra. Afinal, 71% da sua superfície é recoberta por água, 97% dela encontrada nos mares, na sua versão salgada (apenas 3% de toda água do planeta é doce e está presente nos rios, lagos, aquíferos ou em geleiras).
Não é por outra razão que o oceano é o principal ecossistema do planeta. Ele molda a vida na Terra; regula o clima, ao distribuir temperaturas, ventos e chuvas; produz oxigênio e sequestra CO2 mais que qualquer cobertura vegetal; é fonte de inspiração, lazer e revigoramento para nossas existências.
O mar traz de volta
Não é exagero dizer que, em tempos da calamidade climática que nos ronda, nossa sorte como espécie será decidida no mar. Do que formos capazes de fazer para preservar a vida, as condições físicas e o coração sujo e cansado do oceano dependerá nosso sucesso na luta contra as mudanças climáticas e, em última análise, nossa própria sobrevivência.
Poluição, sobre-exploração de recursos vivos e minerais, aquecimento e acidificação das águas, ocupação desordenada das zonas costeiras lideram a lista de vilões que estão transformando nossos mares em regiões desérticas, desprovidas de vida, tóxicas.
E isso tudo é provocado por nós mesmos, mas com consequências longe dos nossos olhos. A degradação do oceano começa em cada pequena atitude cotidiana nossa: no plástico descartável que consumimos, no lixo que não reciclamos, nos gases eliminados pelo escapamento dos nossos carros, naquilo que comemos e consumimos…. é uma lista interminável.
E o oceano nos devolve nossas ações na forma de eventos e anormalidades climáticas cada vez mais extremas, impactos nas populações costeiras, fome e envenenamento. O plástico, metais pesados e fármacos que dispendemos no oceano, por exemplo, já entraram na cadeia alimentar e estão voltando para nossa mesa em muitos dos peixes e frutos do mar que ingerimos.
Diante desta situação alarmante, em 2017 a Assembleia Geral das Nações Unidas declarou os anos 2021-2030 como a Década da Ciência Ocêanica para o Desenvolvimento Sustentável, nome completo para Década do Oceano. Serão dez anos de esforços conjuntos de governos, setor privado e da sociedade civil de todo o mundo com o objetivo de buscar “um mar limpo, seguro, saudável, produtivo e sustentável”.
E como a educação se relaciona com isso?
Isto nos remete obrigatoriamente para o campo da educação. Desde 2002, quando foi formulado pela primeira vez nos Estados Unidos, toma corpo pelo mundo o conceito de ocean-literacy, letramento ou alfabetização oceânica ao pé-da-letra, que aqui ganhou a tradução de cultura oceânica.
Há quase vinte anos pesquisadores, oceanógrafos, educadores e ambientalistas, começaram a se dar conta do desconhecimento das pessoas sobre como suas vidas impactam o oceano e como os oceano impacta suas vidas – o conceito essencial da cultura oceânica – e como as questões ligadas ao oceano estão ausentes dos currículos e materiais escolares dos diferentes níveis, gerando um mar de desconhecimento e consequente falta de ação, engajamento e empatia.
Desde então, um movimento mundial de alfabetização oceânica vem se espalhando pelo mundo, principalmente com a formação de associações de educadores voltados para as ciências do mar, em países como Canadá, Austrália, Portugal, Itália, Suécia, Noruega (e, por extensão, toda a União Europeia), China e Japão para citar alguns.
Cultura oceânica, uma iniciativa da Unesco
Com a instituição da Década do Oceano, a Unesco tomou para sí a missão de estimular a cultura ocêanica pelo mundo, principalmente nas escolas, de forma a criar ao final de dez anos uma geração azul, jovens conscientes e engajados na causa dos oceanos, capazes de fazer a diferença daqui para a frente. Para isso, publicou no final de 2020 o Guia Cultura Ocêanica para Todos, que sintetiza o conceito, história e princípios da ocean-literacy, além de fornecer vários exemplos práticos para atividades em sala de aula, que pode ser obtido no link https://pt.unesco.org/news/cultura-oceanica-todos, cuja leitura certamente é recomendada a todos educadores.
No Brasil, ainda estamos engatinhando, mas já começam a pipocar várias iniciativas. O órgão centralizador destas ações é a CIRM – Comissão Interministerial para Recursos do Mar, que tem um grupo de trabalho dedicado à difusão da mentalidade marítima, que é como chamam a cultura oceânica, inclusive com conteúdos educacionais. Mas ainda é muito pouco: a iniciativa e o protagonismo deveria ser dos educadores dos diversos níveis e áreas do conhecimento – das ciências da natureza, às artes e às linguagens – para que o mar seja efetivamente compreendido e vivido em nosso próprio benefício.
*Alfredo Nastari, é jornalista e criador do projeto Midia Mar, onde escreve sobre cultura oceânica.
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR
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