Gestores de IES falam do ministro que o setor espera

Imagem: Revista Ensino Superior

Um ministro da educação não representa apenas um setor, mas a sociedade como um todo. Deve ter ciência de que as decisões ministeriais interferem no sistema por completo, do ensino infantil ao superior, e estar atento às discussões ideológicas e políticas que percorrem o país. Desde o dia 30 de outubro, marcado pela vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, a definição do nome que estará à frente do Ministério da Educação na gestão 2023-2026 tem sido motivo de grande especulação. Neste cenário, a Ensino Superior ouviu 10 lideranças de IES brasileiras para entender o perfil que os profissionais esperam ver no futuro nomeado.

Na primeira linha, da esquerda para a direita, Antônio Carbonari (foto: arquivo/revista), Beatriz Balena (foto: arquivo pessoal), Ceres Murad (foto: arquivo pessoal), Daniel Castanho (foto: arquivo pessoal) e José Vicente (foto: arquivo/revista). Na segunda linha, da esquerda para a direita, Marina Feferbaum (foto: arquivo pessoal), Oscar Vilhena (foto: institucional/FGV), Ruy Guérios (foto: arquivo/revista), Vidal Martins (foto: João Borges) e Zelly Pennacchi (foto: comunicação/Toledo Prudente)

“Prioritariamente, o novo ministro precisa ser alguém vinculado à educação, pode ser indicado por partido político mas precisa ter grande experiência em educação superior e que conheça muito bem a legislação educacional. Especialmente que tenha a visão de que o Brasil é um país continental e que uma única legislação não resolve”, afirma Antonio Carbonari Netto, especialista em educação superior no Brasil e gestor da Must University, na Flórida, para quem a descentralização favorece o ensino superior. Ele conta que nunca foi feito o que o inciso 3º da lei nº. 9131, de 24 de novembro de 1995, sugere. Essa lei cria as atribuições da Câmara de Ensino Superior, um dos pilares do Conselho Nacional de Educação. O inciso 2º desta lei elenca todas as atribuições da Câmara, entre elas, as alíneas ‘d’ – deliberar sobre os relatórios encaminhados pelo MEC, sobre o reconhecimento de cursos e habilitações oferecidos por instituições de ensino superior, assim como sobre autorização prévia daqueles oferecidos por instituições não universitárias –, ‘e’ – deliberar sobre a autorização, o credenciamento e o recredenciamento periódico de instituições de educação superior, inclusive de universidades, com base em relatórios e avaliações apresentados pelo MEC – e ‘f’ – deliberar sobre os estatutos das universidades e o regimento das demais instituições de educação superior que fazem parte do sistema federal de ensino. Em seguida, o inciso 3º diz o seguinte: “As atribuições constantes das alíneas ‘d’, ‘e’ e ‘f’ do parágrafo anterior poderão ser delegadas, em parte ou no todo, aos Estados e ao Distrito Federal”. Para Carbonari, não é produtivo uma visão global num país de dimensões continentais, heterogêneo, onde as necessidades são diferentes. “Deveríamos ter diferentes legislações até que o país tenha de fato uma educação superior de bom nível em todas as suas regiões”.

Gestores de IES falam do ministro que o setor espera

O comando do MEC pede alguém que tenha vivência das grandes questões educacionais brasileiras e seus desafios. O perfil do ministro ideal é traçado por vários gestores e lideranças do ensino superior particular.

Um ministro da educação não representa apenas um setor, mas a sociedade como um todo. Deve ter ciência de que as decisões ministeriais interferem no sistema por completo, do ensino infantil ao superior, e estar atento às discussões ideológicas e políticas que percorrem o país. Desde o dia 30 de outubro, marcado pela vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, a definição do nome que estará à frente do Ministério da Educação na gestão 2023-2026 tem sido motivo de grande especulação. Neste cenário, a Ensino Superior ouviu 10 lideranças de IES brasileiras para entender o perfil que os profissionais esperam ver no futuro nomeado.

Na primeira linha, da esquerda para a direita, Antônio Carbonari (foto: arquivo/revista), Beatriz Balena (foto: arquivo pessoal), Ceres Murad (foto: arquivo pessoal), Daniel Castanho (foto: arquivo pessoal) e José Vicente (foto: arquivo/revista). Na segunda linha, da esquerda para a direita, Marina Feferbaum (foto: arquivo pessoal), Oscar Vilhena (foto: institucional/FGV), Ruy Guérios (foto: arquivo/revista), Vidal Martins (foto: João Borges) e Zelly Pennacchi (foto: comunicação/Toledo Prudente)

“Prioritariamente, o novo ministro precisa ser alguém vinculado à educação, pode ser indicado por partido político mas precisa ter grande experiência em educação superior e que conheça muito bem a legislação educacional. Especialmente que tenha a visão de que o Brasil é um país continental e que uma única legislação não resolve”, afirma Antonio Carbonari Netto, especialista em educação superior no Brasil e gestor da Must University, na Flórida, para quem a descentralização favorece o ensino superior. Ele conta que nunca foi feito o que o inciso 3º da lei nº. 9131, de 24 de novembro de 1995, sugere. Essa lei cria as atribuições da Câmara de Ensino Superior, um dos pilares do Conselho Nacional de Educação. O inciso 2º desta lei elenca todas as atribuições da Câmara, entre elas, as alíneas ‘d’ – deliberar sobre os relatórios encaminhados pelo MEC, sobre o reconhecimento de cursos e habilitações oferecidos por instituições de ensino superior, assim como sobre autorização prévia daqueles oferecidos por instituições não universitárias –, ‘e’ – deliberar sobre a autorização, o credenciamento e o recredenciamento periódico de instituições de educação superior, inclusive de universidades, com base em relatórios e avaliações apresentados pelo MEC – e ‘f’ – deliberar sobre os estatutos das universidades e o regimento das demais instituições de educação superior que fazem parte do sistema federal de ensino. Em seguida, o inciso 3º diz o seguinte: “As atribuições constantes das alíneas ‘d’, ‘e’ e ‘f’ do parágrafo anterior poderão ser delegadas, em parte ou no todo, aos Estados e ao Distrito Federal”. Para Carbonari, não é produtivo uma visão global num país de dimensões continentais, heterogêneo, onde as necessidades são diferentes. “Deveríamos ter diferentes legislações até que o país tenha de fato uma educação superior de bom nível em todas as suas regiões”.

Para Beatriz Balena, reitora da Universidade Veiga de Almeida (RJ), o novo ministro ou ministra precisa ser uma figura com respaldo na comunidade acadêmica. E, de preferência, que seja uma mulher. “Fomos sobressaltados com personalidades que pouco ou nada tinham a ver com educação. A educação não perdeu só quatro anos, nós involuímos muito mais. Por exemplo, as metas do PNE, o Plano Nacional de Educação, sequer foram trabalhadas”. Beatriz destaca a importância de alguém que seja aberto ao diálogo e à escuta, para que tenha compreensão da realidade, aliás, das muitas realidades. E que tenha uma visão da educação como algo estratégico, “como fez a Finlândia e a Coreia”. Ela propõe duas ponderações. “Uma acerca dos gargalos do MEC e do INEP para as avaliações in loco. As avaliações online andaram bastante, mas o instrumento ainda não reflete o quanto as instituições avançaram do ponto de vista tecnológico, de disrupção, de inovação. Hoje em dia, a régua que nos mede é ultrapassada, não leva em consideração os avanços tecnológicos e muito menos os avanços da educação a distância. Outra ponderação que espero que o novo ministro faça é acerca do encontro desses dois mundos, o virtual e o presencial, que é o ensino híbrido. Hoje é uma avenida sem legislação, sem reconhecimento, é uma selva, em que usamos parte do EAD para oferecer presencial e parte do presencial para oferecer EAD”.

Beatriz ainda reitera: “Luto por um mundo em que não seja preciso discutir o que é presencial e o que é EAD – é simplesmente o ensino. A plataforma e a metodologia, cada universidade vai dizer por si. E o aluno vai mostrar que está aprendendo, gostando, evoluindo”.

O olhar de Beatriz se assemelha ao do vice-reitor da PUC-PR, Vidal Martins, que enxerga a divisão entre ensinos presenciais e a distância como ultrapassada. “O que faz um curso ser bom são as experiências de aprendizagem proporcionadas pela universidade e a gente pode ter um misto, a depender da proposta pedagógica do curso”, avalia. Vidal acredita que a unificação das modalidades, o excesso de regulações e as competências digitais são pontos que requerem uma atenção do novo ministro em relação ao ensino superior. “A gente tem uma regulação muito forte e, na minha visão, isso limita muito. Às vezes chega até a impedir a inovação e a agilidade das universidades. As organizações hoje em dia precisam reagir rápido aos movimentos do mercado, da sociedade”, declara. Quanto às competências, ele evidencia as transformações do mundo em decorrência da tecnologia. As profissões vão se modificando. Acredito que tem que haver uma política, um incentivo muito forte ao desenvolvimento das competências dos professores para que eles sejam competentes digitalmente e também desenvolvam isso nos estudantes”. Para o vice-reitor, o novo ministro também deve ser mais técnico. “Quando a pessoa tem conhecimento, uma história na área e a domina tecnicamente, ela tem condições de tomar decisões muito mais assertivas, além de dar o direcionamento que alcance os resultados buscados”. Segundo Vidal, o perfil político, em geral, não tem esse domínio. “Minha preferência, claramente, é pelo perfil técnico e [dentro desse quesito] que seja uma pessoa reconhecida pela comunidade educacional”, acrescenta.

O número de estudantes na graduação e pós cresceu nos últimos anos, mas o problema do Brasil continua a ser a produtividade. Daniel Castanho, presidente do conselho de administração da Ânima, parte dessa premissa para pensar o perfil do novo ministro da educação. “Quem ocupar essa cadeira tem que ser uma pessoa que entenda a relevância da educação no desenvolvimento da sociedade”, afirma. Para ele, o desafio é fazer com as pessoas tenham um trabalho com significado e que percebam a diferença que o estudo provoca em suas vidas. “A educação passa por uma transformação muito grande, o conteúdo não é mais o fim, o conteúdo é um meio para o desenvolvimento de competências e habilidades que servirão para que as pessoas tenham uma produtividade maior. O foco não é ampliar a empregabilidade, mas a trabalhabilidade”. A revisão do processo de avaliação das instituições é uma demanda importante: “É preciso que o MEC crie uma estrutura que incentive as pessoas a desenharem currículos e universidades que agreguem valor para a sociedade. Temos hoje o IGC de 1 a 5, sendo que 80% das instituições são nota 3. Isso não diferencia ninguém. Imagine se fosse de 1 a 10 e 10% em cada uma das categorias: as 10% ou 20% melhores. Também é necessário definir quais são os critérios para que se faça uma avaliação desse tipo e, para isso, a pergunta é como a tecnologia vai ser um grande diferencial e agregar mais valor para o aluno, e não se o curso é presencial ou a distância”. Valorização e capacitação dos professores é fundamental: “O novo ministro precisa ter a compreensão que o professor é o artífice da transformação que se deseja para a educação”.

“Um pensador, um profissional que viesse de fora do ensino superior. Alguém que tenha relação com a educação pé no chão: escola municipal lá da vila, a merenda, o professor”, opina José Vicente, reitor da Universidade Zumbi dos Palmares. Ele explica: “Para essa nova quadra que inauguramos, precisamos ter um olhar muito profundo e intenso para a educação como um todo, mas sobretudo para o ensino fundamental, médio e técnico. Esses segmentos precisam de um olhar muito particularizado e qualificado, por isso eu prefiro um ministro que tenha uma vocação para essas dimensões da educação do que alguém com um olhar muito preponderante para o ensino superior”. Vicente pondera que o ensino superior, em alguma medida, caminha sozinho, mas toma muito a atenção, os recursos e se apropria do gestor que não tiver “uma vocação, sensibilidade e paixão para com o ensino básico”. Sem uma pessoa assim, ele afirma, “não vamos sair do atoleiro”.

Um perfil conciliador e com uma perspectiva técnica, que consiga manejar a máquina pública. Essas são as principais características que Marina Feferbaum, coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, quer ver na chefia do MEC. Dois nomes já cogitados – Priscila Cruz, do Todos Pela Educação, e Neca Setubal – lhe agradam. “São dois perfis excelentes, são pessoas sérias, competentes e que têm perspectivas muito claras sobre a educação”, afirma. Para ela, diante da conjuntura atual, com o grande desmonte das políticas educacionais, é difícil destacar uma prioridade. Ainda assim, elenca três aspectos: “Primeiro é necessário reconstruir o acesso à universidade, principalmente resgatar as pessoas que se perderam ao longo da pandemia e com o aumento das desigualdades. Outra dimensão importante é retomar o debate acerca do ensino técnico, ou ensino por meio de formações mais curtas, que possibilitam o ingresso no mercado de trabalho já com alguma certificação”.

Oscar Vilhena, diretor da FGV Direito SP, ressalta que, à frente de todos os ministérios, deve haver alguém comprometido com sua respectiva missão constitucional. Para o ministério da educação, “tem que ser alguém ligado à área e com uma história de compromisso com ela. Ainda que seja alguém com esse perfil, deve ter a capacidade de dialogar com as instâncias políticas e com o congresso”, acrescenta. Ao falar exclusivamente sobre o ensino superior, o profissional enfatiza que, no âmbito federal, a universidade foi duramente atacada ao longo dos últimos quatro anos. Em sua avaliação, o setor precisa recobrar a sua condição de investimento “porque tem papel importante na condução da pesquisa”.

Para Oscar, a própria autonomia universitária deve ser reconstruída, tanto financeira quanto acadêmica. “É importante que essas universidades financiadas pelo poder público ampliem a sua atuação de interesse social. Elas têm que estar abertas aos alunos que saem do ensino médio e que vêm da escola pública”, pontua.

No setor privado, ele evidencia a necessidade de busca por uma regulação que permita o cumprimento de missões específicas por parte das escolas. “Há universidades pequenas que têm algum envolvimento com as necessidades regionais. E você tem universidades privadas, do tamanho das universidades públicas que, muitas vezes, têm campus em vários lugares. São instituições muito diferentes e me preocupo que, no Brasil, a regulação tende a buscar homogeneizar todas as IES. Elas são distintas e essa distinção é fundamental para que atendam as necessidades regionais de onde elas estão situadas”, frisa. Um dos desafios listados por ele é a distribuição das oportunidades de ensino que ainda se fazem desiguais no país. “Há regiões do Brasil onde os jovens ficam extremamente vulneráveis e desatendidos pela educação. Em outras, há educação de melhor qualidade. É fundamental o estabelecimento de padrões de igualdade na educação brasileira”, aponta.

A reitora do Centro Universitário Toledo Prudente, Zelly Pennacchi, reforça o desejo de um nome mais técnico, além de diplomático e com experiência na iniciativa privada. “Deve ter habilidade de transitar pelo ensino público e privado, ouvir as necessidades das IES, resgatar a admiração, a sinergia e o respeito dos educadores e empresários do setor, estimulando o investimento, crescimento e resultados”, afirma. Zelly acredita que o novo ministro terá desafios que vão desde o resgate da confiança no ministério ao cuidado com o déficit de aprendizagem pós-pandemia.

Ceres Murad, reitora da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB) em São Luís (MA), pondera que, para lidar com o alcance de metas, o profissional nomeado requer uma capacidade executiva. “Uma pessoa que tenha condições de desenhar estratégias para executar as metas nas políticas públicas, tanto no ensino básico quanto no superior”, diz. A reitora ressalta o cenário delicado da alfabetização infantil e aponta a minimização do atraso como um dos principais desafios para a nova gestão. “Esse é um momento chave de desenvolvimento intelectual, que precisa ser amplo e cuidado, porque é a entrada de uma criança em um caminho de desenvolvimento que, se não acontece, fica comprometido”. Ceres aponta para a qualidade na formação dos profissionais como um aspecto de atenção do novo ministro. “Essa qualidade dos profissionais que saem das instituições tem ficado em segundo plano e eu acho que isso é prioritário”.

O mantenedor do Colégio Eniac (Educação Básica) e diretor geral do Centro Universitário Eniac, em Guarulhos (SP), Ruy Guérios, enxerga a futura gestão com otimismo e se diz “com muita confiança de que esse governo possa fazer um trabalho mais sério, como já foi feito no passado, e mais voltado para aumentar a inclusão e a possibilidade das pessoas se desenvolverem”. Ruy acredita que projetos como o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego) deveriam ser aperfeiçoados. Ele aponta a cobrança de um retorno no aspecto social como um caminho possível: “Todos os projetos que envolvem uma inclusão maior deveriam cobrar uma contrapartida das pessoas que estão sendo beneficiadas, para que, depois de formadas, devolvam isso à sociedade, fazendo a mesma coisa, ajudando na formação, ou de outras formas, já desde o início do programa. Um problema do Pronatec era esse, você fazia a inscrição e já podia estudar onde quisesse, mas não tinha uma contrapartida de presença, de ir bem na avaliação”, salienta.

Para o profissional que atua tanto no ensino básico quanto no superior, o novo ministro terá o cenário de polarização como um de seus principais desafios, além da melhora do ensino básico. “Os desafios no ensino superior são grandes, mas os maiores estão na educação básica que é onde, nos últimos anos, a gente não conseguiu evoluir e melhorar a qualidade do ensino. Continuamos sendo os piores colocados nos exames internacionais e, com o agravamento da pandemia, é impressionante como caiu o nível do ensino que já era muito baixo”, enfatiza. Em sua avaliação, o novo nome por trás do ministério deve ser político, mas com uma base técnica “muito bem resolvida”. Ele acrescenta: “Vamos ter, certamente, quatro anos melhores do que esses últimos, que foram escolhas que não eram nem políticas e nem técnicas e muito ruins na área da educação”.

Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR

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