O anúncio do ex-presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) Carlos Alberto Decotelli para o Ministério da Educação (MEC) foi visto como positivo por diversas entidades ligadas ao setor. Ainda assim, especialistas analisam que o novo ministro precisa demonstrar que irá de fato retomar o diálogo com os diferentes níveis de ensino. A poderação tem razão de ser: a enorme dificuldade de interlocução que secretários municipais e estaduais, dirigentes, parlamentares e instituições federais tiveram com o antecessor de Decotelli, Abraham Weintraub.
Presidente-executiva do Todos pela Educação, uma das principais ONGs da área, Priscila Cruz afirma que Decotelli parece ser uma pessoa “séria, comprometida com resultado e processos, interessada em gestão e austeridade”.
— Ele defendia, no comando do FNDE, fazer mais com menos. Queria fazer uma Lava-Jato no fundo — diz Priscila Cruz. — A diferença para o Weintraub é gigantesca. É o exato oposto da agressividade do antecessor. É calmo, se comunica bem, mas ainda é preciso observar os passos concretos dele.
A especialista afirma que o novo ministro tem espírito colaborativo, essencial para resolver problemas nos sistemas de ensino como os causados pela pandemia do coronavírus. Para Priscila Cruz, a tarefa número 1 de Decotelli é a de criar um gabinete de enfrentamento dos efeitos da Covid-19 na educação.
— A segunda é a de afastar todos os olavistas do MEC — afirma Priscila Cruz.
Mozart Ramos, especialista da USP e diretor do Instituto Ayrton Senna, também avaliou positivamente o nome do novo ministro:
— Tinha receio de que viesse uma pessoa mais de linha ideológica, o que seria péssimo após o legado horroroso do Weintraub. Mas Decotelli chega com uma mensagem de diálogo. Isso é fundamental.
De acordo com Mozart, que já foi cotado para o MEC no começo do mandato de Bolsonaro, Decotelli deve ter três prioridades em seu começo de gestão: aprovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), estabelecer um protocolo de retorno às aulas interrompidas por conta da pandemia e a construção de diálogo com reitores e secretários de educação.
— Se ele não tiver autonomia para montar seu time e (trabalhar em) paz nas redes sociais, pode sofrer o efeito (ex-ministro da Saúde Nelson) Teich na Educação: chegou respeitado, mas não durou dois meses — avalia Mozart. — Ele precisará ser um grande articulador. Um coordenador da agenda da pandemia no campo da educação. Precisa convocar o Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação), a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) e o CNE (Conselho Nacional de Educação) para discutir o retorno às aulas. E chamar esses atores para construir uma estratégia rapidamente, Ele vai ter que trocar o pneu com carro em movimento. Terá que morar dentro do MEC para sanar as feridas deixadas pelo Weintraub.
Antônio Fragoso, especialista em gestão pública e educação pela PUC-SP, concorda com Mozart.
— É necessário fazer política neste momento. Ficamos mais atrasados do que estávamos. Mas o MEC é um espaço muito visado pelas linhas ideológicas. Não é hora para essa disputa. É hora de ver como combater o analfabetismo, de que maneira as aulas podem voltar e recuperar o tempo perdido.
Horas depois da nomeação de Decotelli, o ministério divulgou em seu perfil no Twitter um aviso: “O Ministério da Educação informa que o novo ministro da pasta, Carlos Alberto Decotelli, não possui perfil na rede social Twitter. Todas as contas registradas com o nome do ministro são, portanto, falsas.”
Entidades se posicionam perante escolha
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) afirmou que Decotelli “manteve um bom canal de diálogo com os secretários, chegando a visitar alguns estados” quando no comando do FNDE. E que a entidade “acredita na possibilidade de ampliação do diálogo e na contínua interação com o MEC”.
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em nota, afirmou que espera que o “novo ministro tenha um olhar diferenciado para as políticas de inclusão, que precisam ser implantadas e/ou aperfeiçoadas”. E elogiou o currículo do novo titular da Educação.
As entidades estudantis Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), União Nacional de Estudantes (UNE) e União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes) emitiram nota conjunta criticando a escolha.
“Embora possua trajetória acadêmica e possa vir a representar um deslocamento do grupo olavista na gestão, o novo ministro não tem experiência vinculada à educação, mas sim nas áreas financeira e militar, o que é sempre motivo de preocupação. A educação não pode ser tutelada nem por grupelhos ideológicos e estar a serviço dos interesses do mercado financeiro”, declararam as entidades estudantis.
E a Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação (CNTE) afirmou que Decotelli “não atende aos interesses de uma escola pública e gratuita para todos, em especial nesses tempos de pandemia que exigem desafios monumentais para o momento”.
Fonte: ABMES
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