Celso Niskier, Vice-Presidente do SEMERJ e Diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)Reitor do Centro
07/06/2021 06:00:00
O tal do mundo VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) chegou para colocar no fio da navalha todas as certezas e padrões estabelecidos antes do século 21. Prova disso é a intensidade com a qual algumas palavras e expressões passaram a ser utilizadas na última década. Disruptura, desconstrução e competências socioemocionais são apenas alguns exemplos linguísticos das transformações pelas quais a sociedade tem passado.
Nesse novo contexto, praticamente todas as relações sociais e humanas foram afetadas, mas poucas com tanta intensidade como as relações de trabalho ou, melhor dizendo, o que o mercado de trabalho passou a procurar nos candidatos a uma vaga de emprego (e também a avaliar nos colaboradores que já ocupam um posto na empresa).
O que não é novidade para ninguém é que, nem de longe, a educação acompanhou esse novo mind set global. Já faz algum tempo que essa questão tem sido debatida em distintas esferas, mas, ao menos aqui no Brasil, evoluímos muito pouco no sentido de preparar profissionais ajustados às demandas e necessidades do século 21.
A novidade em relação a esse tema fica por conta das constatações feitas por uma pesquisa inédita realizada pela Educa Insights em parceria com a Plataforma A. Por incrível que pareça, ainda existe um enorme abismo entre o que as instituições de educação superior (IES) acreditam estarem fazendo e o que o mercado de trabalho quer que elas façam.
O estudo, apresentado em evento da ABMES pelo diretor da Plataforma A, Gustavo Hoffmann, constatou que enquanto os 69% dos gestores acadêmicos acreditam estar entregando ao mercado de trabalho profissionais com alto grau de preparo, apenas 39% dos empregadores têm essa mesma percepção. Na outra ponta, apenas 2% dos gestores consideram que suas instituições oferecem um preparo de baixo nível. Entre os empregadores, esse índice é de 21%.
Em relação à percepção das competências dos recém-formados, a pesquisa fez uma constatação interessante: os percentuais foram muito semelhantes entre os três grupos consultados. Entre os recém-formados, 61% disseram que as IES priorizam as hard skills (habilidades técnicas) em detrimento das soft skills (habilidades socioemocionais altamente valorizadas hoje em dia, como comunicação, capacidade de trabalhar em equipe, criatividade e resolução de problemas). Entre os gestores acadêmicos e os empregadores, os índices foram de 57% e 60%, respectivamente (também para as hard skills). Contudo, ao serem questionados sobre o que o mercado acha mais importante, 67% dos gestores afirmaram ser as soft skills.
Portanto, apesar de mostrarem o descompasso entre o que a educação superior brasileira oferta e o que é esperado dela, os dados indicam que há consciência sobre o caminho a ser seguido. Então, por que seguimos tão distante do cenário ideal? Sou capaz de apostar que uma parcela significativa de responsabilidade está no alto grau de regulação pelo qual a educação superior é submetida no país.
Estamos caminhando para um panorama no qual, em 2026, 30 milhões de empregos formais do Brasil serão substituídos por máquinas. Além disso, 85% dos trabalhos que existirão em 2030 ainda nem foram inventados. Apenas nove anos nos separam de 2030. Portanto, não há mais espaço – e nem tempo – para resistência a currículos e práticas educacionais inovadoras.
Uma significativa evolução no currículo do ensino médio começou a ser feita há alguns anos com o objetivo de trabalhar e fortalecer as soft skills, mas o quadro da educação superior seguiu estagnado. Qual a lógica disso? Teremos trabalhadores de nível médio preparados para o século 21 enquanto os graduados seguirão desapontando seus empregadores?
A flexibilização no sentido de permitir às instituições de educação superior a implementação de currículos mais inovadores, ajustados às demandas e necessidades deste tempo, mas, também, às necessidades locais é urgente. Além disso, da forma como estão, as diretrizes estabelecidas para o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) fazem com que as instituições preparem seus alunos para a avaliação, e não para o mercado de trabalho.
O progresso e a melhoria da qualidade de vida da população brasileira dependem do rompimento dessas amarras. Caso contrário, o único indicativo socioeconômico que vai disparar é o do desemprego.
FONTE: ABMES