O lento aumento de matrículas do ensino superior está deixando o Brasil mais longe de uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE). Um dos compromissos assumidos em 2014 é expandir o ensino superior para que, até 2024, um terço dos jovens de 18 a 24 anos estivessem matriculados em algum curso de graduação. Mas um estudo que analisou a variação registrada entre 2015 e 2017 (ano dos dados mais recentes) projeta que, no ritmo atual, essa meta só será atingida em 2037.
A taxa média dos primeiros anos de vigência do PNE contrasta com a expansão registrada no início da década e, segundo especialistas, é um resultado direto da queda de repasses do governo federal tanto ao ensino superior público quanto ao setor privado.
A análise à qual o G1 teve acesso foi elaborada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), em parceria com a empresa Educa Insights.
Considerando os dados sobre as matrículas em graduação divulgadas anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ela projetou a expansão nos próximos anos caso o Brasil siga no mesmo ritmo dos três primeiros anos do PNE, e comparou essa trajetória com a estimativa populacional dessa faixa etária, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Nossa intenção era verificar onde estamos e aonde queremos chegar”, explicou ao G1 Sólon Caldas, diretor-executivo da ABMES.
- Qual é a meta? O IBGE estima que, em 2024 a população brasileira na faixa etária entre 18 a 24 anos será de 22,1 milhões. Atingir a meta do PNE significa ter 33% desses jovens (7,3 milhões de pessoas) matriculados em um curso no ensino superior.
- Como estamos hoje? Em 2017, segundo o Censo da Educação Superior do Inep, 4,2 milhões de jovens entre 18 e 24 anos estavam na universidade (18% do total). A análise da ABMES calculou que, em 2015, 2016 e 2017, a taxa média anual de crescimento foi de 1%; nesse ritmo, o Brasil só conseguirá chegar aos 7,3 milhões em 2037.
Investimentos na direção contrária
Aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional, o PNE também prevê um aumento gradual de investimento brasileiro na educação – condição necessária para financiar o atendimento das metas.
Porém, cortes orçamentários nos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer já tiveram um impacto na desaceleração do ritmo de expansão. E a gestão de Jair Bolsonaro indicou, no primeiro semestre, que pretende reduzir o investimento federal no ensino superior e agora aponta para a obtenção de recursos de fontes extraorçamentárias, como a proposta do Future-se.
“De um lado existe uma lei, que é o PNE, que determina metas para serem alcançadas. Do outro lado, o incentivo do governo à política pública de financiamento estudantil, que está totalmente contra a meta.” – Sólon Caldas, diretor-executivo da ABMES
Em julho, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou uma lista de compromissos do MEC para a educação básica, e defendeu mudanças no PNE. “Ou a gente muda no PNE ou a gente aumenta imposto, o que eu sou contra”, disse o ministro, ressaltando que o governo é favorável a ampliar os recursos para a educação, mas cobra “metas de desempenho” ainda não detalhadas como contrapartida.
O professor Nelson Cardoso Amaral, que já foi pró-reitor e vice-reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), e se especializou em financiamento do ensino superior, explica que a estagnação das matrículas registrada entre 2015 e 2017 (os três primeiros anos do PNE) difere do que aconteceu na primeira metade da década, quando a política pública era de aumento dos investimentos.
Vagas nas universidades públicas
“De 2010 até 2013, 2014, na educação superior pública você ainda tinha efeitos do Reuni [programa de expansão das universidades federais, que aumentou o número de campi e de matrículas]. Foi muito forte 2010, 2011 e 2012. E no setor privado foi forte no financiamento estudantil, cresceu muito nesse período”, explicou Amaral.
Por causa dos sucessivos cortes, a rede federal, que detém a maior parte das matrículas no setor público, precisou estancar sua expansão de vagas, depois que 90% das universidades federais registraram perda real no orçamento na comparação entre 2013 e 2017:
Amaral ainda ressalta que, no governo Temer, a aprovação da Emenda Constitucional 95, que impôs um teto para os gastos em educação, limitou ainda mais o aumento da participação da educação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, uma das determinações do PNE.
“A morte do PNE foi decretada com Emenda Constitucional 95.” – Nelson Cardoso Amaral, professor da UFG.
Vagas nas universidades privadas
No setor privado, o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do MEC foi um dos motivos que alavancaram o número de matrículas. Mas, desde 2015, o programa já passou por diversas alterações que restringiram a quantidade de contratos novos, e agora tenta aumentar sua receita devido à crescente inadimplência de quem já terminou a faculdade com as mensalidades financiadas pelo governo.
Neste ano, o MEC anunciou um programa de renegociação das dívidas dos cerca de meio milhão de ex-alunos que estão com prestações atrasadas somando R$ 11,2 bilhões – o prazo para a participação, que deveria ter terminado em julho, foi adiado.
De acordo com o diretor da ABMES, essa foi a principal causa da queda na quantidade de matrículas no ensino privado entre 2015 e 2016, e a estagnação teria sido pior se não fosse a expansão das matrículas na educação a distância (EAD), que são mais baratas e não usam recursos do Fies.
Outros cenários projetados
O estudo elaborado pela ABMES e pela Educa Insights também projetou outro cenário para os próximos anos para comparar a velocidade com que o Brasil chegaria até a meta caso a primeira metade da década também fosse considerada.
Considerando os anos de 2010 a 2017, o ritmo médio anual de crescimento da porcentagem de jovens nas universidades foi de 5%. Caso ele fosse mantido, a meta de ter um terço das pessoas de 18 a 24 anos matriculadas na graduação seria atingida em 2029. Isso representa cinco anos de atraso em relação ao que estipula o PNE, mas oito anos de antecipação quando a projeção considera apenas o crescimento observado entre 2015 e 2017, que foi de 1% ao ano, em média.
Por isso, a projeção de 2010 a 2017 evidencia o que o professor Nelson Cardoso, da UFG, classificou de “taxa de crescimento supervalorizada” das matrículas, de 3,8% ao ano, em média, que não se sustenta no cenário mais recente. Nos dois casos, porém, Cardoso ressalta que se tratam de estimativas que podem ou não se confirmarem nos próximos anos, de acordo com uma série de aspectos políticos, econômicos e sociais.
A meta 12 do PNE
Ter um terço da população jovem matriculada na graduação até 2024 é um dos três pontos estipulados na meta 12 do Plano Nacional de Educação. Os outros dois são:
- Ter um número de matrículas na graduação, independentemente da idade, equivalente a 50% da população de 18 a 24 anos em 2024
- Que, em 2024, 40% dos calouros da graduação estejam matriculados em uma universidade pública
O estudo ao qual o G1 teve acesso também projetou cenários para esses dois pontos. No primeiro deles, o Brasil teria chances de cumprir entre 2024 e 2025 considerando a taxa anual média de crescimento do período entre 2010 e 2017.
Mas, se o ritmo registrado nas três edições mais recentes do Censo da Educação Superior for mantido, os 50% só serão atingidos em 2030.
Em números absolutos, a estimativa é aumentar o número de graduandos em cerca de 2,7 milhões.
- PNE está com 80% das metas estagnadas, diz estudo
Matrículas dos jovens x matrículas totais
Segundo a ABMES, o ingresso da população jovem no ensino superior é um desafio maior do que simplesmente expandir o número de matrículas. Isso porque, todos os anos, o número de novos alunos de graduação tem crescido mais do que o número de alunos que se formam no ensino médio.
De 2010 a 2017, o número de ingressantes no ensino superior aumentou cerca de 31% e chegou a 3,2 milhões. Já o número de egressos do ensino médio se manteve em cerca de 1,7 milhão.
Além disso, só 1,8 milhão dos calouros de 2017 tinham até 24 anos, o que representa 55% do total de ingressantes, taxa que tem se mantido desde 2010. Segundo o estudo, isso demonstra que “o crescimento da educação superior é dependente do estoque de alunos formado nos anos anteriores”, e não apenas dos adolescentes recém-saídos do ensino médio.
Expansão para a população mais pobre
Tanto Amaral, da UFG, quanto Caldas, da ABMES, afirmam que, além de depender de estudantes mais velhos, a expansão do ensino superior no Brasil também depende da inclusão da população mais pobre, pois as classes mais ricas já estão inseridas na universidade.
Caldas lembra que, no Brasil, existe uma “inversão”: os estudantes que fizeram o ensino médio na rede privada estudam majoritariamente nas universidades públicas, e os demais, apesar de representarem 60% das matrículas na rede pública, são 71% dos estudantes da rede particular.
“E aí chegamos num patamar de matrículas em que quem pode pagar já está estudando, tanto a classe A e B, que já está estudando nas públicas em grande maioria. E nas particulares quem pode pagar já estuda”, diz Caldas. “A gente chega à conclusão de que, se não houver política adequada de financiamento estudantil, que vai ao encontro da necessidade do aluno, esse número não será incrementado.”
Caldas ressalta que as matrículas em questão não são apenas de cursos de bacharelado de uma ou outra área, mas englobam também as licenciaturas e os cursos de tecnólogo.
“Isso é muito preocupante para o país, porque nenhum país se desenvolve a não ser por meio da educação”, diz ele. “Se as políticas do governo estão na contramão da expansão da educação superior, isso vai comprometer lá na frente o desenvolvimento econômico do país.”
No caso da rede pública, a expansão das federais para o interior do Brasil possibilitou a criação de uma rede nacional de ensino, inclusive na pós-graduação. Isso fez com que a meta do PNE que exige um maior número de mestres e doutores é a única referente ao ensino superior que já foi cumprida.
Por outro lado, Amaral explica que muitos estudantes tiveram que se mudar para as cidades onde ficam os novos campi para estudar, o que os torna mais dependentes de programas de assistência, como residências e restaurantes estudantis.
O perfil cada vez mais diverso dos universitários, incentivado pela Lei Federal de Cotas, também demanda uma expansão dos gastos com esse tipo de auxílio, mesmo que as matrículas parem de crescer.
Mas, nesse caso, isso significaria ignorar a íntegra da meta 12, que também prevê uma participação cada vez maior das universidades públicas no total das matrículas. Esse ponto, porém, não tem previsão de ser cumprido em nenhum dos cenários projetados no estudo (veja no gráfico abaixo).
Em maio, pouco depois de assumir o Ministério da Educação, Abraham Weintraub já havia defendido, em audiência com deputadores na Câmara, que esse ponto da meta 12 seja revisto, além da estipulação de que o Brasil aumente seu investimento em educação até chegar a 10% do PIB.