O dilema da inovação nas IES: acomodados versus incomodados.

Max Damas

Assessor da Presidência do SEMERJ e da ABMES

Assessor da Presidência da FOA (Fundação Oswaldo Aranha)

Sabemos as dificuldades encontradas em todas (ou quase todas) IES para inovar. Por exemplo, se pudéssemos nos transportar no tempo para assistir a celebração de uma missa no final dos anos 50 e participar da aula de uma universidade na mesma época, perceberíamos mudanças na primeira (sacerdote ficava de costas e as missas eram em latim) e praticamente nenhuma mudança significativa na segunda quando comparadas com o momento atual. Trouxe aqui como exemplo uma instituição considerada bastante conservadora (a Igreja Católica) e uma outra que deveria ser o oposto (as Universidades). Algo no mínimo estranho acontece. Não pretendo, aqui, encontrar as origens do porquê isso ocorre, mas ajudar no diagnóstico e a propor alternativas para que possamos evoluir na prática da inovação acadêmica. A eterna discussão entre a tradição e o novo, entre os acomodados e os incomodados. Afinal, por que mudar o que sempre deu certo? 

Uma parte dessa situação está envolvida no que se denomina como o dilema da inovação. Refere-se ao desafio enfrentado pelas organizações quando buscam inovar em suas práticas, processos ou produtos. Esse dilema é frequentemente associado à necessidade de equilibrar a introdução de novas ideias e abordagens com a preservação das práticas existentes que podem ter sido bem-sucedidas no passado.  O conceito é muitas vezes atribuído ao autor Clayton Christensen, que o explorou em seu livro “O Dilema da Inovação” (“The Innovator’s Dilemma”), publicado em 1997. Christensen argumentou que empresas estabelecidas muitas vezes enfrentam dificuldades ao tentar inovar, porque as práticas que as tornaram bem-sucedidas no passado podem, paradoxalmente, tornar-se obstáculos à adoção de inovações disruptivas.

O dilema da inovação em uma instituição de ensino envolve o desafio de equilibrar a introdução de novas práticas, métodos e tecnologias com a manutenção das abordagens tradicionais que podem ter sido eficazes no passado. Algumas condições fazem com que as IES fiquem presas em si mesmas, sem inovar:


O dilema da inovação pode ocorrer nas universidades em diversas condições, muitas das quais são comuns a outras organizações. A seguir trago algumas condições específicas que podem contribuir para o dilema da inovação nas universidades:

  • Rigor Acadêmico: Universidades muitas vezes têm uma tradição acadêmica estabelecida, com normas e práticas que valorizam o rigor acadêmico. Essa tradição pode criar resistência à adoção de abordagens mais inovadoras que possam parecer menos convencionais.
    • Burocracia Universitária: A estrutura organizacional complexa e a burocracia presentes em muitas universidades podem dificultar a implementação rápida de mudanças inovadoras.
    • Cultura Conservadora: Universidades podem ter culturas organizacionais conservadoras que resistem a mudanças significativas, principalmente aquelas que desafiam as práticas tradicionais.
    • Preservação de Tradições: Universidades muitas vezes têm uma forte identidade institucional baseada em tradições. A pressão para manter essas tradições pode dificultar a introdução de práticas inovadoras que podem ser percebidas como ameaças à identidade institucional.
    • Prioridade para Pesquisa: Em algumas universidades, o foco excessivo na pesquisa e publicações pode levar a uma relutância em priorizar inovações no ensino, que podem não ser tão reconhecidas ou recompensadas no ambiente acadêmico.
    • Armadilhas do coletivismo: A participação de diferentes partes interessadas, incluindo professores, alunos e gestores, pode tornar difícil alcançar consenso sobre a adoção de inovações.
    • Sucessos do passado: Narrativas internas que persistem em contar histórias de outros tempos, onde ocorreram sucessos acadêmicos com práticas que faziam sentido para um dado contexto e época.

No contexto de instituições de ensino, o dilema da inovação pode se manifestar quando as escolas, universidades e sistemas educacionais enfrentam desafios para adotar novas tecnologias, métodos de ensino ou abordagens pedagógicas, muitas vezes devido à resistência à mudança, acomodação em narrativas inconsistentes ou uma cultura organizacional mais conservadora. Algumas ações são cruciais para que o dilema inovativo seja quebrado:

  • Desenvolver uma cultura de inovação respeitando a tradição, mas sem ser domado por ela;
    • Incentivar a Participação de Professores e Estudantes na construção dos aspectos de inovação, garantindo o senso de propriedade e de engajamento;
    • Garantir que professores e funcionários estejam capacitados para usar e integrar novas tecnologias, oferecendo oportunidades de aprendizado contínuo;
    • Estabelecer Parcerias Estratégicas com a indústria e outras instituições como forma de trocar experiências e aprender com o que outras instituições estão fazendo;
    • Integrar a Inovação no Planejamento Estratégico como forma de garantir que a inovação seja uma parte integrante do plano estratégico da instituição, reforça seu compromisso de evoluir e se adaptar;
    • Construir indicadores de performance com metas claras e mensuráveis relacionadas à inovação.

Resolver o dilema da inovação requer um equilíbrio cuidadoso entre a manutenção do que funciona bem e a abertura à exploração de novas ideias e práticas. Isso implica a criação de uma cultura que valorize a inovação, o estabelecimento de estratégias flexíveis e a disposição para enfrentar desafios a curto prazo em prol de benefícios a longo prazo.

A experiência também nos diz que boa parte da solução está em repactuar as relações de trabalho e a visão de futuro, saindo do acordo tácito em torno da mediocridade (tão comum nas organizações) e encontrando um caminho em que os acomodados percebam que os tempos mudaram e que os incomodados não desistam da sua obstinação em criar o futuro.

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