Inovação ou regulação, existe um meio do caminho?

Max Damas

Assessor da Presidência do SEMERJ e da ABMES

Assessor da Presidência da FOA (Fundação Oswaldo Aranha)

Inovação ou regulação, existe um meio do caminho?

Temos acompanhado nos últimos 15 anos três grandes ondas no ensino superior brasileiro, não necessariamente em sequência, mas com pontos de interseção e momentos de complementariedade. A primeira onda foi a dos programas de financiamento estudantil, a segunda relacionada à ampliação da EAD e a terceira onda a dos movimentos ligados aos cursos superiores na área da saúde. O que elas possuem em comum: um forte aspecto de intervenção do governo, pela ótica da regulação e da qualidade. No final do artigo apresento uma possibilidade de quarta onda, com um tempero mais próprio e independente dos movimentos regulatórios. Antes, vamos fazer uma breve síntese dos aspectos que trouxeram a inovação (até o momento) na maioria das ofertas do ensino superior brasileiro.

Invariavelmente, ocorre umas das duas situações: As Instituições de Ensino Superior criam movimentos e o governo aparece e regula. Ou, o governo propõe movimentos e as IES se adaptam. De uma forma ou outra, grande parte do que se pensa ou se tem feito de inovação no ensino superior está diretamente relacionado aos direcionamentos regulatórios e aos aspectos de qualidade propostos pelo MEC, por meio do INEP. Basta analisarmos os últimos instrumentos de avaliação de cursos e IES, que foram criados em 2017. Neles, a palavra inovação surge como um ponto de diferencial máximo de qualidade para quase metade dos indicadores. Depois de 6 anos de aplicação desses instrumentos, chegamos a uma proliferação de conceitos 4 e 5 nas avaliações in loco. Ao olhar de relance para esses conceitos podemos concluir (a priori) que estamos evoluindo em qualidade e inovação. No entanto, ao olharmos ao redor, percebemos que melhoramos, mas certamente não na escala que os conceitos apontam. Às vezes 4 e 5, significam apenas 4 e 5.

Tivemos grandes avanços, isso é fato, e o SINAES está aí completando duas décadas de uma política de Estado e não de governo, sendo um sistema altamente inovador quando da sua origem. Ao passar do tempo, os avanços foram mais pendendo para atender a regulação do que de fato renovando amplamente nos serviços, na abordagem da aprendizagem do estudante, na qualificação dos espaços de aprendizagem e na formação docente, na velocidade que a sociedade espera e que também nossas IES precisam para continuarem crescendo e se adaptando às novas frentes. A regulação precisa existir, mas a provocação é que ela não seja o norte principal de qualidade e da inovação nos planejamentos estratégicos e tomadas de decisão de nossas IES. Pois, se todos seguirmos à risca o que a regulação nos exige, estaremos na melhor das hipóteses muito parecidos, mas com poucos diferenciais. Estaremos satisfazendo à regulação e sendo similares à maioria, e o pior, supondo que somos excelentes sem uma análise mais crítica. A psicologia social sabe bem sobre isso quando nos apresenta a teoria da dissonância cognitiva, um viés cognitivo muito marcante e de difícil percepção.

Voltando às três ondas, já comentamos que elas têm uma forte dependência regulatória, basta lermos as notícias diárias do setor educacional. Então, meu exercício aqui é provocar uma reflexão para que a quarta onda tenha um caráter essencialmente pessoal e personalizado. Pessoal, para representar cada IES na sua identidade e locorregionalidade. Personalizado, para tratar cada estudante de forma única e não escalável. Dois grandes aspectos permitem esses avanços:

  • curricularização da extensão e
  • uma parceria entre educação e ciência, mediada pelas tecnologias. 

O primeiro, facilita à interrelação entre a academia e a sociedade, ou o que o pensador português Boaventura de Sousa Santos denomina como a “Ecologia de Saberes”, trazendo assim todas as intencionalidades pedagógicas para o que de fato ocorre no contexto do seu estudante, onde toda a aprendizagem se potencializa e exponencializa.

Já o segundo aspecto, traz à tona a possibilidade de focar nos aspectos cognitivos, comportamentais e de habilidades no que tangem a aprendizagem do estudante. Unir a neurociência com a aprendizagem, para aprimorar métodos, construir significados e também potencializar a aprendizagem. É inequívoca a constatação de que nas interações de ensino-aprendizagem inúmeros dados são gerados, correspondentes aos estilos e padrões de aprendizagem do estudante. Analisar esses dados com o apoio de professores capacitados, amparados na ciência e com o uso apropriado das tecnologias de inteligência artificial generativas, trará um mundo de personalização e unicidade nunca antes visto na relação com o estudante.

Ao unir o pessoal ao personalizado, estaremos criando uma onda que cada IES poderá surfar sozinha e não ondas que todos querem pegar no início e fugirem da rebentação. Inovar com o olhar na sua identidade e no seu estudante é que nos fará prolongar nossa experiência de transformação pela educação de forma inteligente e viável, dentro dos limites da regulação, mas sem tê-la como ponto de partida nem de chegada, tendo-a apenas como as linhas que cercam o jogo. Para nós resta (ainda bem) a visão, a criatividade e a coragem, nessa ordem.

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