Celso Niskier, Vice-Presidente do SEMERJ e Diretor presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES)Reitor do Centro Universitário UniCarioca
26/02/2024 06:00:01
Em um claro sinal de que está disposto a resgatar o caráter social do programa público de financiamento estudantil, o Ministério da Educação (MEC) anunciou, no último dia 16, o Fies Social. Entre as novidades, destacam-se o financiamento de até 100% das mensalidades para estudantes com renda familiar per capita de até meio salário mínimo e a previsão de reserva de vagas para alunos de baixa renda, pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
A primeira medida atende, em parte, a uma demanda do setor privado de educação superior que vinha se estendendo desde 2016, quando foi extinta a possibilidade de financiamento do valor integral da mensalidade. Desde então, as instituições particulares vinham insistindo junto aos governos sobre a necessidade de se rever esse aspecto. Afinal, o programa governamental de financiamento estudantil tem na sua essência a democratização do acesso ao ensino superior no país.
Contudo, existem dois pontos que precisam ser considerados em relação a essa medida: a definição de um recorte dos possíveis beneficiários com base na renda e o descompasso entre a política de financiamento estudantil e a de oferta de bolsas de estudo, o ProUni.
Por se tratar de um financiamento, o Fies 100% deve ser disponibilizado para todos os estudantes que precisarem lançar mão desse recurso para garantir a sua graduação, inclusive aqueles que possuem renda familiar um pouco mais elevada, mas que, em virtude das circunstâncias sociais e econômicas do país, não dispõem de recursos para arcar com uma parte das mensalidades antes de ingressarem como profissionais qualificados no mercado de trabalho.
A outra questão é ainda mais sensível, pois reforça o tratamento desigual que tem sido direcionado a indivíduos com condições – e direitos – iguais. Como mostra a Análise estratégica e desdobramentos para políticas sustentáveis e inclusivas de financiamento, realizada pelo professor Ricardo Martins para a ABMES, pessoas com o mesmo perfil socioeconômico têm sido divididas entre as que desfrutam de gratuidade por meio de bolsas do ProUni e as que precisam se submeter a um financiamento de longo prazo.
Hoje, no Brasil, para ter acesso a uma bolsa integral do ProUni o estudante deve ter renda familiar bruta mensal, por pessoa, de até 1,5 salário mínimo. Já as bolsas de 50% são concedidas para alunos com renda mensal per capita de até 3 salários mínimos. Porque, então, um cidadão com renda familiar per capita de 0,5 salário mínimo é elegível para um financiamento e não para uma bolsa de estudos?
Esse é um aspecto crucial que precisa ser repensado nas políticas de acesso à educação superior do país. Se quisermos, de fato, sermos um Estado de justiça e bem-estar social, precisamos tratar os iguais como iguais, garantindo a todos seus direitos constitucionais na integralidade. O Fies tem seu papel importantíssimo e deve seguir sendo valorizado, além de ter seu caráter social resgatado de modo a beneficiar uma parcela significativa da população que não se enquadra nas camadas sociais mais baixas, mas mesmo assim precisa de auxílio do poder público para concluir uma graduação.
Contudo, os indivíduos que estão na base da pirâmide precisam ter garantido o seu direito à educação gratuita, seja no sistema federal de ensino, seja nas instituições particulares. O setor privado de educação superior tem atuado no sentido de conceder bolsas ou descontos significativos sempre que possível, mas somente uma política pública efetiva e robusta será capaz de equalizar o cenário de tamanha desigualdade que persiste no Brasil.
O Fies Social deu um primeiro passo importante, mas o caminho até a obtenção de um cenário inclusivo no acesso à educação superior ainda é extenso. No que puderem contribuir, tanto a ABMES quanto o setor estão à disposição.