Em minha coluna de julho, escrevi sobre a frustração que o uso indiscriminado da Inteligência Artificial pelos estudantes me causou. Onde estaria a vontade de aprender, de participar, de refletir? O texto deste mês oferece uma possível estratégia para lidar com essas dificuldades e estabelecer uma conexão mais profunda entre o estudante e o tema em estudo.
Definição e origem da aprendizagem contemplativa
De acordo com o Center for Teaching and Learning da Columbia University (1), a pedagogia contemplativa é uma abordagem educacional que enfatiza a importância da reflexão e do entendimento profundo no processo de aprendizagem. Ela incentiva os alunos a se envolverem ativamente com o material do curso, conectá-lo às suas próprias experiências e desenvolver suas perspectivas únicas, por meio da atenção concentrada, autorreflexão e aumento da consciência.
Ao aplicar práticas como meditação de atenção plena, contemplação, leitura contemplativa e escrita contemplativa, os alunos são incentivados a se envolver com o conteúdo do curso em um nível mais profundo. Essas práticas também promovem a autoinvestigação, o significado pessoal e a criatividade. Adicionalmente, elas ajudam os alunos a se concentrar, fornecem contexto ao material e criam um espaço para discussão e compartilhamento de experiências.
É possível que a ideia da aprendizagem contemplativa deixe alguns colegas inseguros quanto à sua real aplicabilidade em sala de aula. Afinal, estamos falando de técnicas que têm sua origem ligada a práticas religiosas, principalmente budistas e cristãs, como a meditação, a contemplação e a lectio divina. No entanto, estas técnicas podem ser plenamente utilizadas sem a conotação espiritualista.
Foi assim que, nos anos 70, a meditação começou a ser introduzida no ambiente acadêmico ocidental por professores como Jon Kabat-Zinn, que desenvolveu a técnica de mindfulness baseada na meditação budista. Desde então, a meditação tem sido aplicada em diversas áreas do conhecimento, incluindo a educação, a psicologia e a saúde.
No início dos anos 2000, Daniel Barbezat e Mirabai Bush escreveram aquele que ainda é considerado um dos textos seminais no campo, Contemplative practices in higher education: Powerful methods to transform teaching and learning (2), onde afirmam que, por meio das práticas contemplativas de aprendizagem, os estudantes encontram mais significado nos cursos e constroem conexões mais profundas e significativas com o conteúdo e com a aprendizagem. É interessante destacar que esta é justamente a base para uma boa aprendizagem de acordo com a teoria da Aprendizagem Significativa, de David Ausubel.
Exemplos de técnicas e de utilização em sala de aula
Para Barbezat e Bush, a capacidade de manter a atenção no momento presente (atenção plena, ou mindfulness) está na base do processo de aprendizagem. Dessa forma, para os autores, a prática meditativa seria um importante alicerce para o processo como um todo. Em minha atividade docente, há alguns anos começo todas as aulas com alguns minutos de meditação. Não é uma unanimidade, para ser bem sincero, alguns gostam bastante, enquanto outros dão a impressão de estarem contando os minutos para o fim da prática. Os que gostam, no entanto, relatam que conseguem estar mais focados durante toda a aula, o que me tranquiliza quanto aos efeitos para aqueles que se abrem para a novidade.
Para além da meditação, os autores dividem as práticas de aprendizagem contemplativa em quatro grupos que, em conjunto, aumentam a capacidade do estudante de se autorregular, manter a atenção focada e aumentar sua capacidade de aprendizagem significativa:
- Leitura e Escrita;
- Escuta e Contemplação;
- Movimento Consciente;
- Autoestima e Aceitação.
A seguir oferecemos uma rápida ilustração de como utilizar cada prática. O livro citado oferece instruções detalhadas para estas e outras atividades. Algumas outras obras serão mencionadas ao longo do texto.
Leitura e escrita
Barzebat e Bush nos relembram que leitura e escrita estão no cerne do processo de aprendizagem, principalmente no ensino superior. A lectio divina é um bom exemplo de prática contemplativa de leitura, ao requerer reflexão ativa sobre o texto em apreciação. Prática poderosa, pode ser praticada em sala de aula, encontros de grupo ou, até mesmo, individualmente.
Além do livro já mencionado, quem tiver interesse em compreender melhor as origens e a forma de aplicação desta técnica pode recorrer à excelente obra de Duncan Robertson, Lectio Divina: The Medieval Experience of Reading.
Para a escrita, eles sugerem algumas atividades relativamente simples, mas que podem ser transformadoras, como a prática do diário e a escrita livre. Barzebat e Bush afirmam que essas atividades “encorajam simplesmente notar o que está na mente, sem julgamento. … A reflexão, a edição, vêm depois” (2), p.124.
Escuta e Contemplação
A escuta ativa talvez seja uma das competências cada vez mais necessárias às pessoas. Nestes tempos de excesso de narrativas e de verdades, ser capaz de escutar o outro é uma grande vantagem competitiva em termos de competências relacionais.
Barzebat e Bush utilizam a expressão “escuta profunda” para denotar a atividade de escutar deliberadamente, com atenção, sem julgamento. Uma escuta intencional, poder-se-ia dizer. O filósofo Henry David Thoreau teria dito que “o maior cumprimento que alguém algum dia me deu foi, ao perguntar a minha opinião, prestar atenção à minha resposta”. 150 anos depois, Marshall Rosemberg nos relembra que a escuta ativa é uma das bases da comunicação não-violenta.
A atividade contemplativa pode ser outra fonte de inspiração, aprendizagem e autorregulação. A contemplação da arte nos chama para a alternância entre a beleza e a importância dos detalhes, e a compreensão do todo. Além disso, pode ser uma experiência extremamente estimulante o compartilhamento das experiências e observações ao se contemplar, em grupo, uma mesma cena, uma mesma obra. O que você viu? O que eu vi? O que cada um de nós tira dessa experiência e como podemos aprender uns com os outros e ampliar nossa compreensão?
Movimento Consciente
Precisamos admitir que a academia não é exatamente o melhor local para manter o contato com o sensorial corpóreo. No mais das vezes, estamos presos em nossas mentes, pensando, analisando, planejando, estudando, comparando… pensamentos e mais pensamentos. A prática do movimento consciente procura integrar mente e corpo em um todo.
A consciência corporal nos diz muito sobre como estamos a cada momento; estou focada, estou com medo, estou atento? Além disso, o hábito de prestar atenção às nossas sensações corporais, ao nosso corpo, é, em si, um ótimo treino de atenção focada e de autorregulação.
Barzebat e Bush sugerem várias práticas de movimento, mas um se destaca pela facilidade com que pode ser feita por qualquer pessoa, em qualquer lugar: a meditação caminhante. Trata-se de uma prática muito simples, onde você irá caminhar de forma atenta, prestando atenção a cada movimento do corpo, conectando a respiração aos passos. Quando conduzo essa atividade com os estudantes em sala de aula, a aceitação é sempre muito boa e os estudantes normalmente se surpreendem com o quanto é difícil caminhar mais lentamente, prestando atenção ao movimento.
Compaixão e Aceitação
Finalmente, nossas atividades contemplativas não estariam completas sem um trabalho que resgatasse a confiança e autoestima dos estudantes. Como professor, me dói muito ver o sofrimento de estudantes que poderiam ser brilhantes, mas que se sabotam e se limitam por falta de autoconfiança e de autoestima. Na verdade, creio que um pouco mais de compaixão com os outros e consigo mesmo não faria mal a ninguém.
Estas práticas também são efetivas para aprofundar o sentimento de conexão e de pertencimento entre a comunidade discente. Em minhas aulas, uma das sessões de meditação é dedicada à meditação metta, prática budista bastante difundida, que pede o bem para nós e para todos. Normalmente os estudantes adoram e ficam surpresos com o quanto é difícil pedir pelo bem daqueles que não apreciamos.
Em resumo
É difícil para mim resumir um assunto de que gosto tanto. A minha vontade seria continuar a escrever até que o Gustavo, meu chefe aqui na revista, me dissesse “chega!”, mas, como aprendemos na meditação, tudo chega ao seu fim e este artigo também deve ser encerrado.
Procurei defender a importância da reflexão e do entendimento profundo no processo de aprendizagem. Ao utilizar práticas contemplativas como meditação de atenção plena, leitura contemplativa e escrita, os alunos podem se envolver ativamente com o material do curso e desenvolver suas perspectivas únicas. Essas práticas promovem a autoinvestigação, o significado pessoal e a criatividade, ao mesmo tempo em que aprimoram habilidades de pensamento crítico e concentração. Adicionalmente, elas ajudam os alunos a criar um espaço para discussão e compartilhamento de experiências.
Espero ter despertado o seu interesse, leitora, leitor, quanto ao potencial e à aplicabilidade destas técnicas. Como tentei demonstrar por meio dos exemplos, estas práticas são muito versáteis e podem ser adaptadas a virtualmente qualquer cenário ou disciplina, não se limitando somente às de humanidades.
Para finalizar, torço para que você realmente se motive a incorporar técnicas como a meditação, a leitura contemplativa, ou outras. Ainda que simples, podem ser transformadoras.
Fontes
(1) https://ctl.columbia.edu/resources-and-technology/resources/contemplative-pedagogy/
(2) Barbezat, D. P., & Bush, M. (2014). Contemplative practices in higher education: Powerful methods to transform teaching and learning. John Wiley & Sons
(3) Robertson, Duncan (2011). Lectio Divina: The Medieval Experience of Reading. Order of Saint Benedict, Collegeville, Minnesota
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR