Primeiramente, agradeço a profa. Karina Tomelin por fomentar a participação dos docentes nesta coluna “no Divã”. Sou mulher, mãe, filha, irmã e aluna. Sinto que meu trabalho impacta diretamente a minha vida e a vida das pessoas, e eu amo o que faço.
Sou graduada em Farmácia, Especialista em Manipulação de Produtos Farmacêuticos, Veterinários e Cosméticos, Mestre em Farmacologia com MBA em Metodologias Ativas de Ensino e Aprendizagem, Especialista em Inovação e Tendências da Educação em 2021 e Analista PDA. Em andamento com a Pós-graduação a qual também coordeno: Práticas Inovadoras na Educação. Sou docente do ensino superior e coordenadora educacional.
Trabalhei na área farmacêutica e adorava compartilhar minhas experiências e descobertas. Hoje, tenho plena convicção de que a docência é minha vocação e que se alinha perfeitamente ao que mais toca o meu coração. Sou docente desde 2012.
Além de “transmitir conhecimento”, há a possibilidade de trocas. Os pequeninos são grandes mestres (minhas filhas são minhas mestres), e muitos “grandes mestres” são seres humanos pequenos.
A docência passa, então, a ser mais sobre partilhar do que transmitir. É com os estudantes que aprendo diariamente e é assim que competências comportamentais são “desenvolvidas” ou “aprimoradas” e conteúdos técnicos são discutidos. Trata-se de compreender as dificuldades dos outros e, às vezes, perceber que são também as minhas dificuldades.
Enfim, é olhar nos olhos daqueles que me ouvem e ser um ouvido para aqueles que precisam. É estar presente 100% e desejar profundamente que os que me acompanham possam se desenvolver e crescer profissionalmente, sem esquecer dos valores humanos.
Tenho uma inquietação… A categoria docente é uma das mais estudadas no que se refere ao Burnout. Em um mundo em constante transformação, com o conhecimento se ampliando e comunidades se transformando, o professor precisa se desenvolver continuamente. Qual a dica para que os profissionais da educação não sofram com o burnout?
Minha Frase:
“Quanto mais ensino, mais aprendo!” Sou entusiasta, acredito no poder transformador da educação, a minha sala é o meu laboratório! Sou inquieta e curiosa, especialmente no que se refere ao processo de ensino x aprendizagem!
Em frente? Então: enfrente!
Na teoria
Olá, Cárin. Que alegria ter você aqui com seu entusiasmo pela docência e pelo aprendizado, trazendo um tema tão relevante para nossa profissão, que atinge ⅓ dos professores.
Sem dúvida, a transformação exponencial pela qual o mundo está passando nos desafia a abraçar a complexidade e aprender a aprender ao longo da vida. “Learnability” é o termo que define esta capacidade de estarmos abertos a aprender. Esta habilidade é imprescindível a todos nós, mas, sem dúvida, ao professor ainda mais, já que tem o desafio de manter-se atualizado na sua área de atuação, nas metodologias de ensino e na ciência do aprendizado.
O Learnability faz do aprendizado um estilo de vida, sendo incorporado como prática e exercício constante. Muitas vezes, diante de tanta informação, fica até difícil selecionar aquilo que faz sentido de fato aprender. Por isso, outra habilidade importante para desenvolver é a de letramento de futuros, que já falamos aqui.
Nos últimos tempos, temos visto que nosso estilo de vida, impactado pela transformação digital, tem feito de nós sobreviventes de uma sociedade do cansaço, como descreve o filósofo coreano Byung-Chul Han. Para ele, buscamos a eficiência e o desempenho constante, o que faz com que nos sintamos exaustos o tempo todo. Na verdade, na sociedade do cansaço, vivemos a combinação de excesso de trabalho, autocobrança e um grande volume de informação, fazendo com que cheguemos a exaustão e, na maioria das vezes, entendemos como natural, como resultado da nossa eficiência, ou seja, “o sujeito do desempenho se realiza na morte”, nas palavras do filósofo.
Saímos da sociedade disciplinar de Foucault, das escolas, fábricas e igrejas, para a sociedade do desempenho, das academias, dos escritórios, dos shoppings, vivendo um excesso de positividade. Até as atividades que incluem o cuidado de si, como ir a academia, ao yoga ou a manicure, compõem parte da nossa agenda de alta performance. Ao trabalho docente, soma-se ainda uma mentalidade, talvez fruto de nossas crenças limitantes, de uma certa infalibilidade e onisciência no fazer pedagógico, ou seja, precisamos estar certos, não errar, saber tudo, responder todas as perguntas, dar conta da nossa sala de aula… intensificando ainda mais a nossa carga de trabalho.
As tecnologias digitais, as redes sociais, plataformas, inteligência artificial, novos conteúdos e estilos pedagógicos desafiam o fazer docente. Neste momento de turbulências e incertezas, recaem sobre o professor variadas expectativas para lidar com o sucesso do aprendizado dos estudantes. Cada vez mais pesquisas têm demonstrado que o compromisso do professor com o ensino, sua confiança em suas próprias habilidades influenciam de forma considerável o desempenho e atitude dos estudantes. Diante deste cenário desafiador, muitos de nós chegam ao esgotamento.
Desde de 2022, a síndrome de Burnout foi incluída na Classificação Internacional de Doenças da OMS. Ela é caracterizada como uma reação à tensão emocional crônica, ao esgotamento profissional diante do esforço prolongado e tem acometido, principalmente, profissionais que desenvolvem seu trabalho atendendo pessoas de forma direta, constante e emocional. A OMS frisa que a diferença do burnout para estresse e outras condições crônicas é que ele ocorre em contextos profissionais.
No trabalho docente, há uma certa imprevisibilidade que é preciso gerenciar, tomar decisões constantes, assim como outras profissões que lidam diretamente com pessoas, o que exige de nós muito mais energia a atenção. Professores com burnout se sentem exaustos emocionalmente, têm sua realização pessoal reduzida, sentem-se sobrecarregados, têm respostas negativas e insensíveis ao trabalho, associados a um sentimento de incompetência e redução da produtividade. São observados sintomas como irritabilidade, cansaço, negatividade em relação à performance profissional e distanciamento das atividades.
Há vários estudos que tratam do burnout em professores. Um deles, realizado com quase 400 professores e publicado neste ano pela Unifesp afirma que a síndrome atinge quase ⅓ dos professores de educação básica de escolas públicas e privadas. Outro estudo americano intitulado The Development of Teacher Burnout and the Effects of Resource Factors, de 2022, realizado com mais de 3.743 professores, avalia o capital psicológico por meio de um inventário que observa questões como esperança, resiliência, otimismo, eficácia e evidencia que, fatores como a identidade profissional, podem reduzir a ocorrência de burnout do professor e aumentar a probabilidade de transição para o alívio dos sintomas ao longo do tempo.
Carol Frederick Steele, autora do livro The inspired teacher (O professor inspirado), em suas pesquisas sobre o trabalho docente, afirma que nós, professores, quando entramos na docência, temos um sentimento de idealismo e de propósito, mas que, com os desafios da carreira, tendemos a seguir por quatro caminhos distintos: a evasão, ou seja, muitos professores abandonam a docência; a desistência, são professores que permanecem na sala de aula, mas atuam de forma desmotivada e pouco engajada com a profissão; os que buscam promoção, isto é, empenham-se ao máximo, mas para sair da docência, seu foco é buscar outro cargo; e, por fim, os que vivem de fato uma docência realizadora.
Outro dia, Cárin, li este trecho do livro Esperando não se sabe o quê: sobre o ofício de professor, do Jorge Larrosa, falando sobre a identidade docente. O texto é provocador, por que, por vezes, traz o oposto do discurso que somos acostumados a ouvir, o trecho que diz o seguinte:
Um professor não é um guru…/ Um professor não é um iniciador…/ Um professor não é um mediador…/ Um professor não é um autor…/ Um professor não é um treinador…/ Um professor não é um produtor…/ Um professor não é um gestor…/ Um professor não é um prestador de serviços…/ Um professor não é um pai (nem uma mãe)…/ Um professor não é um companheiro…/ Um professor não é um amigo…/ Um professor não é um líder…/ Um professor não é um ativista…/ Um professor não é um conselheiro espiritual…/ Um professor não é um conselheiro emocional…/ Um professor não é um sedutor…/ Um professor não é um motorista…/ Um professor não é um guia…/ Um professor não é um comunicador…/ Um professor não é um moderador…/ Um professor é um professor…
Apesar da provocação, eu entendi que não precisamos ficar adjetivando a profissão com tantos outros nomes, mas que devemos abraçar nossa profissão de PROFESSOR(A), em caixa alta, dentro do que ela representa. Entendi que quando fortalecemos a identidade profissional, compreendemos nosso papel na qualidade do ensino e isto favorece o desenvolvimento de uma carreira bem sucedida a longo prazo.
Na sala de aula
Então, neste cenário, de apoiar os estudantes na sua formação integral, como podemos nos sentir otimistas e confiantes com a profissão docente? Não tenho dúvidas que temos um desafio importante para ajudar os professores.
Precisamos tornar nossa profissão mais forte. Encontro muitos professores que têm suas metodologias e estratégias de ensino questionadas pelos estudantes. Por quê? Acaso quando procuramos um dentista, um contador, um advogado, questionamos os métodos utilizados para realizar o seu trabalho? Por que aos professores ainda incide a fragilidade da identidade profissional?
O que podemos fazer, então, na prática, para apoiar os professores no desenvolvimento de uma carreira automotivada e feliz?
Não tenho dúvidas da importância de políticas públicas que valorizem a profissão e deem voz aos professores. Mas, além disso, há outras coisas que podemos fazer hoje. Podemos começar a favorecer o sentimento de pertencimento e identidade profissional nas nossas instituições. Isso significa promover estratégias para criação de vínculo entre colegas. Vínculos que se estendem para além da instituição, que abrem espaço para um cafezinho, um happy hour ou bate-papos. Podemos, ainda, ajudar professores a desenvolver caminhos de compartilhamento de suas boas práticas, mas também de desafios e dificuldades da docência, convidá-los a abrir sua sala de aula, contar o que fazem, estar abertos a sugestões, como o espaço que temos aqui no Divã.
Podemos ajudar professores que iniciam a carreira com mentorias, encontros semanais de suporte, de escuta, de apoio e aconselhamento. Podemos aprender a desenvolver estratégias de coping para lidar com situações desafiadoras, favorecendo reações mais positivas e adaptadas às situações adversas. Podemos, ainda, observar as mudanças de humor e comportamento de nossos colegas e ajudá-los a buscar ajuda especializada.
Como sugestão para ampliar a discussão sobre o tema, deixo indicação de dois livros para você:
Professores em foco é uma publicação do Instituto Península de 2022, que resgata, por meio de 80 narrativas de especialistas, a importância da carreira docente e do papel do professor. Reforça a necessidade de colaborarmos para a criação de um consenso social para o desenvolvimento de políticas públicas que apoiem os professores na sua identidade e valorização.
O livro Aprendizagem socioemocional, em que Carolina Costa Cavalcanti apresenta de maneira dialógica e acessível, conceitos importantes para desenvolver as competências socioemocionais na sala de aula com estratégias ativas para aplicar no autodesenvolvimento docente e também nos estudantes.
Karina Nones Tomelin
Educadora, psicóloga, pedagoga, mestre em Educação. Colunista na Revista Ensino Superior.
Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR