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Programas de permanência: sete restrições

A motivação para abordar este tema nasce da minha experiência pessoal e da observação da luta diária de muitas instituições de ensino que estão em busca de alavancar as matrículas, muitas vezes perdendo de vista uma questão fundamental – a permanência dos alunos.

O conceito central que quero desvendar aqui é a “Miopia da Captação”, cunhado no livro homônimo1 lançado em 2022. Este fenômeno se manifesta quando a atenção e os recursos de uma IES estão excessivamente focados na captação de novos alunos, negligenciando assim os esforços necessários em integração e redução dos atritos dos alunos já matriculados.

Uma patologia que não deixa gestores e executivos cegos em relação à evasão, mas deixa borrado e fosco tudo aquilo que é relacionado à permanência, enquanto torna nítido e claro tudo aquilo que se refere à captação de alunos. Chamo de borrado e fosco o não gerenciamento estratégico da evasão por meio da permanência e chamo de nítido tudo aquilo que privilegia o esforço para a geração de matrículas, visando compensar o campo de visão borrado e fosco.1

(…) que, contabilmente falando, nada mais é que um aumento de despesas para compensar os ganhos que não estão sendo obtidos pelos custos dos investimentos. Na tentativa de recuperar as perdas, é comum que a instituição passe a querer um resultado imediato via ingresso de novos alunos, sem, necessariamente, avaliar seus processos, seus serviços e as correlações às suas hipóteses de motivos de evasão.1

A tendência de enxergar que no aumento da captação reside a recuperação do prejuízo causado pela evasão foi definida e cunhada, por autoria deste documento, como a Miopia da Captação; pois a IES privada tende a aumentar a despesa operacional de captação, tornando-a mais cara campanha após campanha, sem perceber que não se trata de recuperar o prejuízo causado pela evasão. Se trata de encontrar meios para que a permanência e a persistência do aluno impeçam a evasão.1

Este artigo é uma tentativa de fazer um balanço dessa situação. Espero incitar um diálogo produtivo e oferecer novas perspectivas para abordar o desafio da Gestão da Permanência, ampliando o campo de visão para incluir tanto a captação quanto a permanência de alunos nas estratégias. Ambas são complementares em causa, efeito, resultado e importância.

Acredito que seja hora de ir além da captação e começar a olhar com mais seriedade, comprometimento, agenda e investimentos para a permanência e o sucesso dos alunos que já fazem parte do universo educacional.

Vamos juntos desbravar este território, entender seus desafios e potencializar suas possibilidades?

1ª Restrição: Considerar que a evasão é algo normal e que, para resolver os problemas de quantidade de alunos, temos que captar mais

Essa é a restrição primária. Representa grande obstáculo para a implementação de um programa de permanência efetivo e institucional.

É comum que algumas instituições de ensino superior privadas vejam a evasão como algo inevitável e até mesmo normal, o que pode levar a uma falta de investimento em estratégias para aumentar as taxas de conclusão, colocando em risco o lucro líquido da IES e o sucesso dos alunos. Abraçar a evasão como inevitabilidade é a aceitação passiva da evasão estudantil como mero fato da vida.

Nesse estágio, as IES tendem a priorizar recursos (financeiros, temporais e humanos) em captação de novos alunos. A presunção da evasão como fatalidade e a estratégia paliativa de admissões constantes representa uma visão míope que privilegia o curto prazo em detrimento de uma estratégia sustentável de longo prazo. Dessa forma, a Miopia da Captação está presente nos projetos do dia a dia.

Ao questionarmos as pessoas que trabalham nas IES, raramente encontramos alguém que admita ver a evasão como normal. Afirmam seu compromisso em combatê-la, mas as ações diárias contam outra história. Assim que imersos na rotina operacional, a busca por novos alunos ganha prioridade. Uma clara dissonância entre palavras e ações, entre o que se diz e o que se faz.

Para superar essa restrição, é estratégico que as lideranças reconheçam que a sustentabilidade financeira é cultivada das mensalidades, não das matrículas. Matricular é o meio; manter as mensalidades e o sucesso do aluno é o fim. Ignorar essa verdade é como tentar encher um balde furado.

2ª Restrição: Ignorar a Teoria da Difusão da Inovação e a Armadilha da Competência

A assimilação de inovações, seja de ideias, tecnologias ou práticas, não ocorre ao acaso. Segue um ritmo próprio de aceitação progressiva e previsível de adoção que pode encontrar resistência em seus diferentes estágios. Quando as IES se tornam complacentes, ignorando esse padrão, correm o risco de ficar estagnadas, à sombra de instituições mais perspicazes que abraçam a inovação. A Teoria da Difusão da Inovação, que é intrinsecamente sobre engajamento, não deve ser desconsiderada.

Armadilha da Competência, por outro lado, descreve como as IES podem se tornar vítimas de seus próprios êxitos do passado. Se acreditam que o caminho trilhado até agora é o único que leva ao sucesso, tendem a se agarrar a rotinas e práticas estabelecidas, resistindo a novas ideias e abordagens. A complacência e a resistência à mudança colocam um freio na melhoria contínua e perpetuam a inércia, independentemente do que se diz – e que não é efetivamente colocado em prática.

3ª Restrição: Atribuir as dificuldades financeiras do aluno como a principal hipótese de motivo de evasão

A terceira restrição reside na suposição simplista de que a evasão ocorre primordialmente por causa das dificuldades financeiras dos alunos. Tal perspectiva reducionista pode conduzir à crença de que, sendo um fator estritamente individual, a IES possui um poder de intervenção limitado, ou ainda, que a solução resida na oferta de mais bolsas, descontos ou na redução das mensalidades.

É indiscutível: problemas financeiros são uma realidade para muitos alunos e, por vezes, podem impactar sua permanência. No entanto, este fator é muitas vezes alegado pelos estudantes por ser um critério objetivo, quando, na verdade, outras dimensões mais sutis também podem estar em jogo. Em alguns casos, pode ocorrer uma mudança na percepção de valor do curso pelo aluno. Mesmo possuindo os recursos, o estudante pode começar a questionar se o investimento vale a pena, o que pode ser expresso como um ‘problema financeiro’.

O estudo global da SADEBR de 2020 revelou 328 hipóteses de motivos de evasão, abrangendo as dimensões acadêmica, financeira, comportamental e geográfica:

Sim, a realidade se apresenta mais complexa e multifacetada. Portanto, uma abordagem eficaz para a redução da evasão requer um entendimento holístico e sistêmico dessas dimensões e hipóteses, não se restringindo ou conformando à suposta restrição financeira destacada pelo aluno. A própria dimensão financeira é multifacetada, variando desde uma genuína escassez de recursos até uma redução na percepção do valor do curso, segundo o princípio de ‘vale quanto pesa’.

4ª Restrição: Medo do novo, da exposição ou cultura excessiva de departamentalização: ”Sei como fazer e meu departamento vai pensar e propor um plano de ação

A quarta restrição, um desafio formidável, está intimamente ligada à estrutura organizacional e à cultura institucional. Esses aspectos são mais proeminentes em Universidades e Centros Universitários e, em um grau menor, em Faculdades. A insegurança diante do novo, o receio da revelação dos entraves departamentais e o apego a uma cultura excessivamente departamentalizada erguem barricadas significativas contra a implantação de mudanças necessárias.

Os integrantes de um departamento podem se sentir acuados por novas ideias, abordagens ou métodos, preocupados que estes possam perturbar o curso normal de seu trabalho ou alterar a cultura da instituição. A excessiva cultura de departamentalização pode culminar em soluções fragmentadas e desconexas, minando a eficácia e eficiência das novas medidas adotadas.

Embora a departamentalização não seja uma adversidade em muitos contextos organizacionais, na abordagem de um programa institucional de Gestão da Permanência, ela pode ser uma restrição significativa, dificultando a colaboração e impedindo uma compreensão holística e sistêmica dos desafios enfrentados pela instituição. A postura expressa na afirmação “sei como fazer e meu departamento vai elaborar e propor um plano de ação” exemplifica essa mentalidade departamentalizada e segmentada.

Para superar esta restrição, é imprescindível um salto evolutivo na cultura institucional, fomentando a colaboração, a perspectiva global, e a adoção de métodos ágeis, como reuniões semanais para discussão de resultados e a formação de equipes intersetoriais, dentre outras iniciativas. Tais transformações podem auxiliar a instituição a operar de maneira mais integrada e colaborativa, em busca de soluções que satisfaçam as demandas dos alunos e da instituição como um todo.

5ª Restrição: Gestão da Permanência ser considerado MAIS um projeto ou MAIS um plano de ação que concorrerá com diversos outros planos de ação

A quinta restrição diz respeito à ideia equivocada de que a Gestão da Permanência é apenas mais um projeto ou plano de ação local, a ser disputado com muitos outros já existentes na instituição.

Essa visão fragmentada e concorrencial pode resultar em um engajamento e investimento desidratados no programa, relegando-o a uma posição de menor importância quando comparado a outras iniciativas. A disputa com outros projetos ou planos de ação acarreta um conflito de interesses internos, rebaixando um programa que deveria ser visto como estratégico e institucional para um patamar secundário, desprovido de prioridade.

Esta restrição está intimamente ligada à quarta, pois ambas reforçam a mentalidade de atuação em silos e negligenciam a necessidade de uma abordagem global para a compreensão da evasão. O resultado é um conjunto de soluções fragmentadas e ineficientes, que falham em abordar a causa raiz do problema.

A superação desta restrição requer que a Gestão da Permanência seja endossada por um patrocinador de peso como um programa estratégico, prioritário, colaborativo, contínuo e integrado, que transcenda e permeie todas as áreas da instituição, de forma transversal e longitudinal. Esta iniciativa deve ser integrada na cultura e nos valores institucionais, demandando um comprometimento de longa duração e a alocação de recursos apropriados para que possa ser implementada efetivamente e alcance o impacto desejado.

6ª Restrição: Considerar que os processos são mais importantes que as necessidades dos alunos

A sexta restrição se faz presente quando, na escala de prioridades, os processos sobressaem às necessidades dos alunos. Esta é perfeitamente ilustrada pela frase: “não realizamos trocas nos finais de semana”. Este tipo de limitação é frequentemente observado em empresas comerciais, mas não é estranho ao contexto das instituições privadas de ensino superior, onde os processos, em algumas ocasiões, recebem mais atenção que as necessidades dos alunos.

É importante ressaltar que processos bem concebidos e definidos são elementos imprescindíveis. Entretanto, devem ser sempre orientados com foco nas necessidades e demandas dos alunos, ao invés de atender exclusivamente às demandas de eficiência operacional de setores específicos ou aos interesses individuais de cargos e seus respectivos gestores, uma situação que, em teoria, sabemos ser inimaginável na prática cotidiana, certo?

Esta restrição é muitas vezes reforçada pelas restrições anteriores, resultando em soluções desconectadas e não integradas.

Para uma gestão de permanência eficaz, é necessário que a instituição permaneça receptiva, sensível e sintonizada com as variadas necessidades da pluralidade de seus alunos, permitindo a flexibilização de processos para acomodá-las. A IES deve estar preparada para enfrentar as inúmeras situações com as quais os alunos podem se deparar ao longo de sua jornada acadêmica, buscando oferecer soluções personalizadas – ou até mesmo hiper personalizadas – e de qualidade para responder às suas demandas.

7ª Restrição: Desconsiderar as duas naturezas do aluno em uma IES privada

A última restrição reside na negligência das IES em reconhecer as duas naturezas inerentes ao aluno: a do aluno-estudante e a do aluno-cliente. É fundamental reconhecer que o aluno é, simultaneamente, um estudante em busca de formação acadêmica e um cliente, ansiando por serviços de qualidade para alcançar seus objetivos, sob sua própria perspectiva de sucesso.

Ignorar essa dualidade pode culminar em abordagens que satisfaçam apenas uma das naturezas, descuidando-se de suas necessidades enquanto estudante ou cliente, impactando negativamente sua satisfação e, por sua vez, potencializando a probabilidade de evasão.

As estratégias de Gestão da Permanência devem levar em consideração as duas naturezas do aluno e trabalhar com equipes intersetoriais (e aqui enfatizo a intersetorialidade entre acadêmicos e técnico-administrativos) de forma integrada e colaborativa na busca de melhores soluções.

Processos que se estendem na jornada do aluno em instituições de ensino superior privadas do Brasil devem ser claramente definidos e conhecidos por todos os envolvidos. Estes processos precisam ser conduzidos tendo em vista as necessidades do aluno enquanto estudante e cliente, em vez de apenas servir aos anseios de eficiência dos setores internos – um vício que as restrições anteriores tendem a reforçar.

Espero que este artigo ajude a identificar e enfrentar as restrições que nos impedem de implementar efetivamente programas de permanência, reorientando o foco para garantir o sucesso a longo prazo dos alunos que já possuímos. Vamos expandir o campo de visão para além da captação de novos alunos, reconhecendo a importância da permanência na construção de uma instituição de ensino sólida e sustentável.

Para a Miopia da Captação, produziremos as lentes do acolhimento e da permanência, e então ela deixará de ser uma patologia da instituição. Vamos criar formas alternativas de eliminar as barreiras para a diplomação e o sucesso do aluno.1

Uma vez que novas lentes corrigiram a Miopia da Captação, ao menos de um grupo de trabalho, ele não apenas compreendeu que matrícula é meio e que a mensalidade é fim, como também que, junto à meta de proporcionar a sustentabilidade financeira, por meio do ganho obtido ao aumento na quantidade de mensalidades pagas, também se faz necessária a satisfação do aluno, de maneira simultânea, hoje e no futuro.1

Fonte da Notícia: REVISTA ENSINO SUPERIOR

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